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O sonho do cineasta Joel Zito

Dedicar sua a vida apenas à realização e exibição de vídeos, esse é o sonho do cineasta Joel Zito Araújo. Porém, isso não é possível no Brasil hoje. Nem para Joel, nem para seus irmãos de cor. Além de dirigir, escrever e pesquisar as suas obras, Joel Zito também se dedica a explicar a dificuldade da população negra de se integrar na emergente economia cultural do país. Novas tecnologias, legislações que favorecem o conteúdo nacional e até a renascente TV pública: todos têm dinamizado a cadeia produtiva e ampliado uma noção vaga de diversidade, desde que o negro continue à margem.

Durante passagem em Brasília, no mês de agosto, o cineasta participou do lançamento da campanha nacional pela Liberdade de Expressão e também de audiência na Câmara dos Deputados puxada pela comissão de Educação e Cultura. Nesses espaços rememorou sua obra A Negação do Brasil – o negro na telenovela brasileira, e fez uma atualização com o remake de Gabriela: “Para a minha surpresa, a Ilhéus dos anos 30 embranqueceu. As ruas de Ilhéus parecem de uma cidade do interior da Europa no século XIX. Até os transeuntes são brancos”. A TV Brasil também não escapou das críticas do cineasta, por manter a estética do embranquecimento.

 

Esquina da história

Joel Zito enfatiza a oportunidade histórica para reverter esse quadro. Ele explica que a China e o Brasil lideraram o crescimento da indústria do entretenimento no mundo nos últimos dez anos: “A nossa indústria – que é a maior da América Latina – deve crescer a uma taxa anual de 6,7% até 2016, atingindo o montante de 2,3 bilhões de dólares ao ano”, diz.

Uma janela de oportunidades é a nova lei da TV Paga, a 12.485/2011, que vai movimentar cerca de R$ 2 bilhões nos próximos 24 meses com a intenção de aumentar a produção para a TV a cabo e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, com um compromisso enfático com a diversidade e a qualidade, gerando emprego, renda, royalties. Junto a esta lei, o Fundo Setorial do audiovisual continuará alavancando a programação nacional nas salas de cinema e TV. Sem contar o patrocínio de Estatais como a Petrobras que colocou recentemente cerca de 65 milhões de reais em cultura.

Porém, Joel Zito alega que a referência do patrocínio cultural no Brasil continua sendo a audiência tradicional das salas de cinema, as classes A e B, que compram diariamente o Globo e a Folha de São Paulo: “Eles têm seu imaginário e crenças formados pelos setores conservadores e dominantes nestes veículos, que insistem no mito de que a miscigenação eliminou a desigualdade racial no Brasil”. No caso da Lei 12.485/2011, ele alerta: “O que garante que os 86% de negros de Salvador terão na cota regional uma parte correspondente ao seu peso populacional?”, questiona o cineasta.

Ao final, parodiando Martin Luther King, Joel Zito comenta: “Tenho o sonho que esse significativo dinheiro que a Lei da TV Paga esteja obrigatoriamente contribuindo para quebrar os estereótipos que perseguiram gerações e gerações de afro-brasileiros e indígenas que nasceram até agora”. E continua: “Sonho de que as coisas que aponto não precisem ser mais ditas e repetidas, nem por mim e nem pelas próximas gerações. E que o nosso tempo, a partir de agora, será dedicado para produzir filmes, séries de TV e peças de teatro para o Brasil e para o mundo”.

 

 

Teatro (do) oprimido

Na Bahia, o ator e diretor Ângelo Flávio nutre as mesmas expectativas que Joel Zito, porém numa arte deficitária de recursos: o teatro. No mês de julho, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia divulgou o resultado do edital para o setor. Quatro dos 18 projetos contemplados tiveram relação estreita com a população negra. Porém, alguns diretores mais tarimbados teceram críticas no jornal A Tarde (edição de 31/07/2012) sob justificativa de que o teatro “profissional” não teve espaço.

Ângelo foi um dos contemplados e vê limites de recursos e também de categorias no edital. Mas rebateu o juízo dos colegas em artigo intitulado “Na Bahia, o que é Teatro Profissional?”, publicada no mesmo jornal. “Que armadilhas, conceitos e posturas se escondem e/ou residem no adjetivo que profissionaliza este Teatro?”, indaga o artista. Autor do manifesto “A arte negra rebelada”, Ângelo opina que é preciso editais específicos para a cultura negra, na mesma orientação do já realizado Carnaval Ouro Negro: “Se não acontecer, corremos o risco de cair no juízo de valor”.

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