13/06/2018 | às 20h05
Por Gerson Brandão*
No ano de 2005, quando a Organização das Nações Unidas (ONU), em uma das muitas tentativas de trazer paz e estabilidade à República Democrática do Congo (RDC), negociou um governo de transição composto de um Presidente acompanhado de 4 Vice-Presidentes – como meio de acomodar os diferentes grupos rebeldes, movimentos de oposição dentro de um mesmo governo.
Os muitos descontentes com este acerto diziam nas ruas da capital, Kinshasa, que 1+4 era igual a 0! Percepção popular à parte, não são poucas as operações matemáticas que desafiam a lógica e a razão neste vasto país da Africa. Por muitos anos a República Democrática do Congo testemunhou uma das crises humanitárias mais complexas e mais longas do mundo, mais de 6 milhões de pessoas morreram desde 1993 por causa de conflitos armados ou por não terem encontrado tratamento adequado para doenças que poderiam ter sido curadas.
No entanto, nos últimos 12 meses, a situação se deteriorou a um ritmo ainda mais preocupante, onde não só a recentemente declarada epidemia do vírus Ébola mas também violentos conflitos internos, tensões e incertezas políticas ameaçam a vida de milhões de pessoas neste país, com uma população de 94 milhões.
Desde o último trimestre de 2017, a violência levada a cabo por grupos armados no Congo levou a um aumento acentuado no número de pessoas desabrigadas, vitimas da guerra que não tem para onde ir, e que muitas vezes vivem no fogo cruzado, mais de 4,5 milhões vagam por estradas e florestas esperando uma assistência que muitas vezes não chegará devido a escassez de recursos das organizações humanitárias que se dispõem a ajudar a estas pessoas. Porém o maior enigma Congolense é ser ao mesmo tempo um dos países mais ricos do mundo, quando se leva em conta as riquezas naturais de um subsolo que contém bilhões e bilhões de dólares com as dificuldades vividas na superfície por uma parcela significante da população que passa os dias perambulando em busca de um lugar seguro para passar a noite.
Uma em cada sete crianças morre antes de completar 5 anos de idade (a título de comparação, no Brasil, segundo dados do IBGE, a taxa de mortalidade infantil é 5 vezes menor).
Questões que afligem muitos, mas não todas as pessoas que vivem em um país com as maiores reservas mundiais de cobalto e quantidades significativas de diamantes, ouro e cobre do mundo. Minerais que tornam a República Democrática do Congo potencialmente, o país mais rico do mundo! De acordo com a edição de fevereiro de 2009 da revista African Business, a riqueza mineral total do Congo é estimada em 24 trilhões de dólares algo equivalente ao PIB da Europa e dos Estados Unidos combinados.
Os preciosos metais congolenses são vitais não apenas para laptops e telefones celulares, mas também para a revolução energética que ocorre nas ruas do mundo à medida que a mobilidade passa dos motores a gasolina e diesel para os carros elétricos. Cobalto e cobre são necessários para motores e estações de recarga – e o Congo possui ambos em abundância. Em 2017, por exemplo, a República Democrática do Congo, forneceu dois terços das exportações mundiais de cobalto.
Triste e surpreendente ao mesmo tempo saber que o país que move e conecta o mundo, não conseguiu ainda ser capaz de alimentar a sua própria população. Preocupante saber que em cada dois congolenses, um não tem acesso a agua potável. Assim como a tragédia ganha proporções maiores quando se sabe que o salário médio mensal de um militar é equivalente a R$180, porém a irregularidade dos pagamentos faz com que os militares disputem com grupos rebeldes o direito de extorquir a população.
Mas então, quais são as soluções para os problemas do Congo e para que a maioria da população possa beneficiar da riqueza do país?
Há 5 anos atrás, em maio de 2013, um centro de pesquisas, presidida pelo lendário Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, pôs o dedo na ferida quando disse que petróleo, gás e minerais, podem oferecer uma oportunidade única para tirar as pessoas da pobreza, porém não se essas riquezas são geridas da maneira como estão na República Democrática do Congo! O relatório de 2013 analisou, em particular, cinco negócios de mineração entre 2010 e 2012, envolvendo a venda de ativos pela empresa de mineração estatal Gecamines.
Estima-se que o estado Congolense tenha perdido, somente nestas transações, pelo menos 1,35 bilhão de dólares – o equivalente a duas vezes o gasto anual em saúde e educação juntos. Dessa forma, a solução passa pelo combate à corrupção, mas sobretudo com o compromisso dos países ditos desenvolvidos de que a exploração dos recursos naturais somente será feita com a devida contrapartida em serviços básicos e segurança à maioria da população.
*Gerson Brandão é encarregado de assuntos humanitários da ONU, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Estrasburgo e atualmente pesquisa “sobre o papel das empresas privadas na proteção de civis na Republica Democrática do Congo”. E-mail: brandaoazevedo@un.org
** Texto enviado com exclusividade para a Coluna Êta Mundo, comandanda pelo geógrafo Diosmar Filho.
Este conteúdo é de inteira responsabilidade do autor.