22/11/2018 | às 21h55
A décima quarta edição do Panorama Internacional Coisa Cinema, no Espaço de Cinema Itaú Unibanco – Glauber Rocha, presta homenagem ao cineasta norte-americano Spike Lee, além de trazer a discussão de mulheres negras no cinema, com a participação das realizadoras Chika Anadu (Nigéria) e Ng’endo Mukki (Quênia), o que reflete uma demanda por produtores de cinema da cidade: a presença de negras e negros nos cinemas.
Consequentemente, com as mostras e filmes de realizadores afro nesta edição, a circulação de negros e negras e suas temáticas no telão, reflete um tempo de contar novas narrativas. Entre os filmes que competem estão o curta metragem “Poesia Azeviche”, de Ailton Pinheiro e o longa metragem, “Orin: Música para Orixás”, de Henrique Duarte.
Em “Orin: Música para Orixás”, o diretor põe em foco a musicalidade e os aspectos que a circunscreve no cotidiano dos terreiros de candomblé e seus contornos. Em cena, ogãs relatam a importância de participar da orquestra sagrada do candomblé e a importância da música que convidam as divindades a dançar.
Em cores quentes, uma roda de amigos regada a cerveja e petiscos, grandes compositores de blocos afros, contam como criaram, o que Ailton Pinheiro chama de “Poesia Azeviche”. O curta é um abraço saudoso na história destes homens que escreveram suas subjetividades em hinos que cantamos em todos os carnavais.
Cantar o Sagrado
O diretor Henrique Duarte, que voltou à cidade para exibição do filme, conta que seu interesse era flagrar momentos comuns dos terreiros, em que os sons compõem as relações vividas entre povos de santo. “Tanto a história deste filme como a história do candomblé, é uma história de resistência, de laços, de companheirismo e de solidariedade”, disse Henrique.
Uma das casas que abriu as portas para a equipe de filmagem de Henrique Duarte, foi o Ilê Asé Ojise Olodumare, Casa do Mensageiro, em Barra de Pojuca (Camaçari), liderado pelo Babalorixá Rychelmi Esutobi. Para o Babalorixá, poder colocar nos cinemas o espaço sagrado dos orixás é fruto da resistência da religião que enfrentou batidas policiais, sobretudo na década de 30, em que os registros eram provas de condenação.
“Documentários como este podem nos registrar como parte de uma história, o que será importante para o futuro, pois continuaremos resistindo por ele”, ressaltou o babalorixá. O filme se desenrola evidenciando como os toques de candomblé e instrumentos usados passam integrar a música baiana, inclusive no hip hop, como no grupo Opanijé.
Lázaro Erê, um dos vocalistas do grupo Opanijé, relatou a emoção de participar da produção do filme. “Esse material belíssimo que foi presenteado em filme mostra influência de nossa herança africana está em nosso cotidiano, ela está apesar de toda segregação, de toda a violência que nos sentimos todos os dias”, contou.
Poetas Baianos
“Estas pessoas colaboraram com a construção da identidade racial da Bahia, sobretudo com suas composições”, descreveu Ailton. Para o diretor, que agregou uma grande equipe, a construção do filme ilustra uma luta que é feita por muitas mãos. “Fazer filme é pensar coletivamente”, destacou Ailton. Tonho Matéria, Itamar Tropicália, Aliomar, Bira Santos, Carlos Lima, o Suca, Jackson Nunes, Juracy Tavares são alguns dos compositores de blocos afros lembrados ao longo do filme.
O cantor e compositor Juracy Tavares, recordou as dificuldades do contexto político brasileiro, mas reforçou sua aposta nas artes como a revitalização no meio do caos, remetendo ao discurso de Nelson Mandela. “Eu fiquei feliz quando Ailton me convidou para participar do filme, pois eu vejo nas artes uma maneira de atravessar uma tempestade de maneira silenciosa”, apontou.