Jornalistas e juristas debateram o julgamento da Ação Penal 470 e a decisão do Supremo de cassar o mandato de deputados condenados
“Cada poder tem seu lugar, STF não pode legislar”. A rima é de integrantes da União da Juventude Socialista (UJS), que esteve presente no debate “O Estado de Direito, a Mídia e o Judiciário: Em pauta a Ação Penal 470”, que ocorreu ontem (17) no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo e reuniu jornalistas e especialistas da área jurídica. Para eles, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar os mandatos dos deputados condenados no julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, representa uma “afronta à Constituição”.
Os juristas Pedro Serrano e Carlos Langroiva, especialistas nas áreas de Direito constitucional e Direito penal, respectivamente, contribuíram para a discussão sob a ótica jurídica do julgamento. Para Serrano, todas as sessões do Supremo em torno do tema representaram uma sequência de erros. “Foi uma catástrofe. Houve erros de fundamentação, já que a doutrina do domínio do fato foi usada erroneamente, e erros de coerência. A jurisprudência tem seu lugar. Juízes não foram coerentes ao decidir pela cassação dos mandatos dos deputados.”
Para ele, a decisão do Supremo é um desrespeito aos cidadãos. “A decisão feita hoje é de rasgar a Constituição. Cabe à Câmara ou ao Senado cassar o mandato dos deputados. O que foi feito no tribunal hoje é uma irresponsabilidade. É um desrespeito à cidadania, e ainda com o apoio massivo da mídia. É um desrespeito à Constituição Federal.”
A transmissão ao vivo das sessões do STF pela televisão configura uma grande falha na área do Direito Penal, argumenta Langroiva. “Virou sessão da tarde, as pessoas ligam a TV de tarde, como antes faziam para ver novela, filmes, e assistem à sessão do STF. A divulgação como se deu do mensalão não deve acontecer na área penal, a vida das pessoas não pode ser devastada neste sentido.” De acordo com ele, o STF trabalhou com elementos que não são naturais no Direito. “O princípio básico da imparcialidade na análise dos fatos foi ferido quando a análise começou pela acusação.”
Além disso, o princípio da presunção da inocência não foi respeitado, segundo Langroiva. “Quem acusa, no processo penal, é quem deve provar suas acusações, e não a defesa que deve provar sua inocência. E não foi o que aconteceu no julgamento da Ação Penal 470. Houve presunção de culpa, coube à defesa provar o que era ou não verdadeiro.” Para ele, a flexibilização da apresentação de provas retrata um verdadeiro escândalo na área criminal. “O Direito Penal lida com nosso bem máximo, a liberdade”.
Para o jornalista Raimundo Pereira, diretor editorial da revista Retrato do Brasil e co-autor do livro A outra tese do mensalão, o julgamento deveria ser anulado. Segundo ele, a tese central sustentada pela Procuradoria Geral da República, que é o desvio de dinheiro do Banco do Brasil, não foi provada. “A materialidade do crime não foi provada. Na Idade Média era assim, pegava-se a bruxa, e depois de um tempo ela confessava um crime, mesmo que não existisse, não era necessário que se provasse sua materialidade.”
O jornalista Paulo Moreira Leite, colunista da revista Época, afirmou que o caso não é apenas jurídico, mas sim político, e fez uma analogia com o golpe de 1964 no Brasil. “Vivemos hoje algo parecido, porque com o governo federal de Lula e Dilma, houve melhorias em vários níveis, com melhor distribuição de renda. Para muitos isso é insuportável. A brecha que se encontra então é a criminalização, todo dia nos jornais há uma espécie de delação premiada. É uma tentativa de retrocesso.”
Sobre a cassação dos mandatos dos deputados, Moreira Leite caracterizou a decisão do STF como um erro que será demorado de corrigir. “Essa ‘porrada’ é grande. Não sei o que o Congresso Nacional fará, nem os movimentos populares. Mas os erros são demorados para serem corrigidos. Na política, o erro se reproduz e se sedimenta.”