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Peça baiana debate “estranhamento da população LGBTs” na sociedade



Marion 4 Foto Tito Casal

A estação de transbordo da Lapa, em Salvador, foi escolhida como cenário da trama que mostra o relacionamento entre dois músicos

Redação Correio Nagô – Um cantor de rock viril, Zsolo, se apaixona pelo colega de trabalho chamado Dhila que, para corresponder o sentimento, exige que o músico se transforme em mulher. É assim que Zsolo, para atender ao pedido, se torna Marion, mas a transformação provoca em Dhila estranhamento e espanto.

A trama descrita acima é o pontapé inicial do espetáculo “Casulo: uma intervenção trans…”, com concepção, roteiro e direção do ator Ângelo Flávio. O estranhamento que a população LGBTs causa na sociedade é, segundo o ator que é criador do Coletivo de Atores Negros Abdias do Nascimento (CAN), o mote da peça que será encenada em duas únicas apresentações nos dias 6 e 13 de abril, sempre às 21h.

“A ideia (da peça) veio da indignação social. Testemunhei junto ao Brasil a onda de massacre e intolerância à população LGBT, muitos se trancaram em seu silêncio, outros publicaram sua revolta, outros riram e, eu resolvi problematizar o tema em um espetáculo teatral”, contou o ator, em entrevista ao Portal Correio Nagô.

Ângelo já participou de filmes nacionais como “Quincas Berro d’Água”, “Eu me lembro” e “À beira do caminho”. Nas artes cênicas, já dirigiu peças como “As Irmãs de Brecht” e “O Dia 14”. Em 2004, interpretou João Batista na peça “O Evangelho Segundo Maria”, papel que lhe rendeu o prêmio Braskem de Melhor Ator Coadjuvante. Quatro anos depois, foi a vez de ganhar o Braskem como Revelação pelos espetáculos do CAN.

Marion e Dhila 2  Foto Tito CasalDesta vez, a aposta do ator é a peça Casulo. A maior estação de transbordo de Salvador, a Lapa, foi escolhida como cenário para o relacionamento entre os dois músicos. Ângelo revelou que a escolha do local foi “um desejo antigo”.

“Quando recebi o Prêmio em 2004, fui para aquela estação pegar o “pernoitão” e, fiquei de 1h30 às 3h esperando o ônibus com o prêmio nas mãos. Percebi que todos me olhavam e, eu me vendo através dos olhos das pessoas, vi que não era diferente de nenhum marginalizado naquela madrugada”, relembrou o ator .

A experiência fez surgir o embrião de Casulo. “Foi bom, pois não houve espaço para deslumbre. A realidade gritava em minha cara e, naquele momento, eu disse ‘ainda venho aqui re-significar este lugar”, complementou. A peça será encenada próximo aos bancos 24h instalados no segundo piso da estação.

Com cerca de 50 pessoas envolvidas na produção, a peça é fruto de um edital da Secretaria de Cultura do Estado (Secult-BA), que financiou R$ 40 mil para a realização do projeto. “Resolvi ampliar o sonho, congregar mais pessoas, diminuir valores, mas somar forças para que o grito fosse maior e de mais vozes que a minha e da Cia Teatral Abdias Nascimento”, reforça.

Segundo a produção, para o roteiro, foram realizadas pesquisas de campo e análise de conteúdo midiático sobre a população LGBTTTs. Também foi realizado um levantamento através de entrevistas, fotografias e filmagens nos pontos de prostituição noturna da cidade de Salvador, das casas noturnas e dos profissionais da área temática.

Zsolo Foto Tito CasalJá Ângelo, que interpreta Zsolo e Marrion, saiu travestido no carnaval de Salvador e visitou boates LGBTTTs para fazer o laboratório do personagem. O cenário foi idealizado pelo cenógrafo e artista plástico Marcos Costa, com ambientes, como o lar, as ruas, o palco, o plano dos sonhos, a moradia dos personagens, A trilha sonora será executada ao vivo, com músicas autorais e músicas de compositores brasileiros.

(Fotos: Tito Casal))

A preparação da peça teve início em outubro de 2012. “De lá até cá tudo foi um processo muito árduo, muito trabalho. Precisamos manter o foco para que as burocracias estatais e municipais não dilacerassem-nos à força e o desejo de sonhar”, disse.

Para o ator, o espetáculo é uma forma de protestar contra a homofobia. “Vamos gritar não à homofobia e todas as formas de violência e preconceitos e sim às diversidades. Lembrando que, segundo os dados do GGB (Grupo Gay da Bahia), no ano passado, foram 272 assassinatos de LGBT no Brasil. Destes, 29 aconteceram na Bahia, que lidera pelo sexto ano consecutivo o ranking de estados mais homofóbicos, com o índice de 10,66% do total de casos no país”, citou.

*Por Anderson Sotero

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