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Pesquisadores e estudantes enfrentam estruturas que desencorajam negros às ciências

Foi Imhotep, há 3000 a.c, que construiu a pirâmide de Djoser, segunda pirâmide documentada no antigo Egito. Arquiteto e engenheiro, Imhotep era também um médico renomado à época, antes mesmo da célebre frase “eureca” ser dita por Arquimedes, na Grécia antiga, e deste ser considerado um dos grandes cientistas da humanidade

Narrativas como estas acirram lugares representativos para negros e brancos, que na contemporaneidade enfrentam o racismo que estrutura a sociedade. “Eu acho uma glória que negras e negros estejam na ciência, isso me dá esperança que a ciência um dia seja usada para melhorar a vida das pessoas”, declara a física Sônia Guimarães.

Sônia é a primeira negra brasileira doutora em Física pela University of Mancherster Institute of Science and Technology (UMIST) e há 24 anos compõe o corpo docente do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Para a doutora, negros e negras são desencorajadas às áreas das exatas por diversos fatores.

“Há uma ideia de ameaça à hegemonia branca nas academias”, avalia. A professora conta que no ITA passou por diversas tentativas de descaracterização por ser negra. “Me impediram de ir à África do Sul fazer encapsulamento de sensores de radiação vermelha. Quando encerraram minha pesquisa, sem o procedimento, de nada valia”, descreve Sônia.

Primeira negra brasileira doutora pelo UMIST, Sônia Guimarães é também a primeira professora negra do ITA

Ciências e comunidade

No começo deste mês, Sônia se reuniu com estudantes e pesquisadores negros na Universidade Federal da Bahia (UFBA) para pensar ações que busquem fortalecê-los e capacitá-los metodologicamente em pesquisas. “As palavras que desencorajam é o que me mantém na academia”, afirma Robson Sousa, um dos organizadores do projeto.

O estudante de Ciência da Computação é remanescente do Quilombo do Furadinho, comunidade rural de Vitória da Conquista. Robson planeja em dez anos compor o corpo docente da UFBA e ter em sua sala muitos estudantes negros e quilombolas. “Eu comecei a usar como estratégia a ideia de que se eu saísse [da universidade] outro preto ou quilombola teria de começar do zero”, relata.

Robson Sousa nasceu em uma comunidade remanescente de quilombo. É estudante de Ciência da Computação e pretende se tornar professor universitário.

“Não é um pensamento só para mim, mas um pensamento de comunidade”, complementa o estudante. Robson conta que já ouviu perguntas como “por que quilombola quer fazer ciências?”. O estudante pretende usar as ciências para transformação social. “Meu objetivo em Ciência da Computação é utilizar as técnicas para resolução de problemas sociais”, ressalta.

Para Sônia Guimarães, muitos jovens pesquisadores e estudantes das ciências passam por situações que os desestimulam por apontar impossibilidades. “É uma perspectiva de ações frustrantes que pode levar a condições insustentáveis. É necessário que haja a união desses estudantes para denunciar atos racistas”, aponta.

Pretinh@s notáveis, grandes desafios

Fortalecer a presença negra nas ciências e na tecnologia é um dos objetivos do Mídia Étnica Lab, do Instituto Mídia Étnica

 

Muitas pesquisas sobre a infância apontam o estágio como o momento para a criatividade e a inovação em que despontam futuros cientistas. No entanto, as demarcações do racismo são apresentadas, causando distanciamento desta área do conhecimento. A pedagoga Ka Menezes, que integra o Raul Hacker Club, primeiro espaço hacker de Salvador, e também desenvolveu o projeto “Crianças Hackers”, relata situações de desestímulo às crianças negras.

“Quando eu levei o projeto para espaço público as piores facetas do racismo se mostraram para mim”, conta. Por ser uma mulher negra pouco retinta, a pedagoga conta que não percebia como o racismo atuava em seu dia a dia. “Quando o trabalho começou a ser ampliado para crianças de comunidade, começaram a taxar o meu trabalho como de caridade, e eu atribuo isso ao fato de ter muitas crianças negras”, narra.

“Nossa primeira turma que seguiu no projeto era formada por crianças da comunidade de São Lázaro. Pense o convívio deles com uma maioria de crianças brancas”. A pedagoga relata que as crianças negras estavam sempre em menor quantidade. “A dificuldade de acesso a informações específicas ou condições financeiras de seus pais são pontos que distanciam essas crianças, inclusive de meninas negras”, aponta a pedagoga.

Entretanto, a pedagoga conta que as poucas crianças negras que fizeram parte do projeto se revelavam como cientistas natos. “Tínhamos uma garota mesmo que ela se destacava na turma e vinha de um contexto comunitário que não tinha muito suporte técnico, além de ser bastante carismática e dedicada”, narra com ânimo a pedagoga.

Confira o que rolou na primeira maratona de Tecnologia e Inovação da Ocupação Afro.Futurista, em matéria do Correio Nagô, Clique Aqui

Abaixo, um vídeo da TV Correio Nagô sobre a maratona

 

Texto: Marcelo Ricardo, repórter-estagiário do Correio Nagô

Sob supervisão de André Santana (jornalista DRT BA 2226)

Texto publicado em 21 de fevereiro de 2019

 

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