Um levantamento realizado no mês de março pela Agência Pública – Agência de jornalismo investigativo independente e sem fins lucrativos, revelou que entre os 8,5 milhões de pessoas que receberam a primeira dose das vacinas contra o novo coronavírus no Brasil, os brancos representam o dobro dos negros vacinados. Cerca de 3,2 milhões de pessoas que se declaram brancas já receberam, ao menos a primeira dose da vacina, entre as pessoas negras, esse número é bem inferior, um pouco mais de 1,7 milhão. Entre os 3,6 milhões que restam estão os amarelos e os que não informaram.
Em abril, o cenário de vacinação no Brasil não é muito diferente do mês anterior, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, entre os mais de 29 milhões de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina e os 12 milhões que tomaram a segunda, até o dia 25 de abril de 2021, a população negra permanece sendo minoria.
Embora no começo da campanha de imunização, a primeira pessoa vacinada tenha sido uma mulher negra, a enfermeira Mônica Calazans, a pandemia tem mostrado o quão verídica é a música “A carne” da cantora da Elza Soares, quando cita em seu refrão “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. O contraste nos dados de vacinação entre brancos e negros é ainda mais grave, se formos analisar a letalidade da doença no Brasil: das pessoas que contraíram a doença no país, há proporcionalmente mais mortes entre negros do que brancos.
A pandemia de Covid-19 evidenciou ainda mais a desigualdade racial no Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, 56,10% da população brasileira é negra. A desigualdade social, evidenciada na dificuldade de acesso ao sistema de saúde, moradia adequada, precariedade no sistema público de transporte, a impossibilidade do isolamento social, devido à necessidade urgente de trabalho, são fatores determinantes para esta população. É importante ressaltar também que as atividades consideradas essenciais, além de serem mal remuneradas, impedem o trabalho em home office, o que mais uma vez coloca a população negra e pobre na linha de frente do vírus, os tornando os mais afetados pela doença.
O racismo estrutural no país pode ser analisado a partir do contexto dos grupos prioritários, como os idosos e trabalhadores da saúde, dos quais pretos a pardos são minorias. O Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde também inclui a população quilombola na lista de prioridade, mas como o Brasil ainda não possui vacina para todos, cabe aos estados e municípios estabelecer quais grupos seriam os primeiros a serem vacinados, dentro dos grupos de prioridade. Esse processo deixou vários quilombolas na fila de espera.
Nos últimos anos, os negros têm ocupado mais espaços no ensino superior, mas ainda é latente a diferença no mercado de trabalho, sobretudo pela prevalência de profissões em que não se encontram muitos negros, como no campo da medicina. Isso também influencia diretamente no número e perfil de pessoas que já receberam o imunizante. Um dos motivos que também ocasionou tal diferença nesse processo, foi a definição de prioridades em um dos principais setores, o hospitalar. Embora profissionais da saúde façam parte do seleto grupo, os profissionais terceirizados em hospitais, como nos setores de limpeza e segurança, é predominante negro, e não foram incluídos no pacote de imunização, no primeiro momento.
Além disso, a repartição de idade no país também é desigual, resultado de indicadores socioeconômicos que diminuem a expectativa de vida da população negra, como violência, fome e falta de acesso à saúde e ao saneamento básico. Por isso, de cada dez idosos entre 80 e 99 anos vacinados contra a Covid-19 no Brasil, seis são brancos.
Alice Souza
Com supervisão de Valéria Lima