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Por que não há negros corruptos no Congresso¿

Por Thiago Ribeiro

#PrimeiramenteForaTemer

A resposta não é tão simples quanto parece. Percebi que nas últimas semanas muitas pessoas comentaram sobre isso nas redes sociais. Para alguns, significa que o homem branco é corrupto e o negro não. Isso pode render muitas piadinhas, comentários e curtidas na internet, mas a realidade é muito mais complexa. Para entender o que acontece hoje em dia, no Congresso Nacional e na política em geral, precisamos olhar para o passado. Não o passado da política brasileira, mas dos negros brasileiros, que de certa forma foi apagado da história. O livro Negros e Política, escrito por Flávio Gomes Doutor em História Social pela Unicamp e professor dos programas de pós-graduação em arqueologia da UFRJ, conta um pouco da história não contada sobre o envolvimento dos negros com a política, desde a abolição.

Antes mesmo da abolição da escravatura, negros já se organizavam e buscavam, do Estado, reconhecimento e igualdade. É o caso da Associação Beneficente Socorro Mútuo dos Homens de Cor que, em 24 de setembro de 1874, enviou para o Conselho de Estado do Império o estatuto da associação para consulta e aprovação. Em resumo, o estatuto pretendia promover tudo o que estivesse ao seu alcance em favor de seus membros, ou seja, os negros. Não causa surpresa o pedido ter sido negado, afinal o sistema de ontem era o mesmo de hoje.

“Os homens de cor, livres, são no império cidadãos que não formam classe separada, e quando escravos não têm direito a associar-se. A Sociedade especial é pois dispensável e pode trazer os inconvenientes da criação do antagonismo social e político: dispensável, porque os homens de cor devem ter e de fato têm admissão nas Associações Nacionais, como é seu direito e muito convém à harmonia e boas relações entre os brasileiros. ” – Resposta do Conselho de Estado do Império

No segundo semestre de 1888 republicanos, contrários à abolição, e abolicionistas debatiam sobre o pós 13 de maio. Entre os abolicionistas, parte defendia o lado republicano, enquanto outro grupo defendia a monarquia por serem gratos pela abolição. O fato é que os republicanos não concordaram com a abolição e, consequentemente, jamais aceitaram organizações políticas negras.  A república nasce através de um golpe militar, em 1889, e exclui os negros. A Guarda Negra, criada no Rio de Janeiro em 1988, aparentemente foi apagada, afinal defendiam a monarquia. Como mencionado anteriormente, havia negros apoiando os republicanos, que por sua vez eram contra os negros. O modelo de nação que temos hoje não foi feito para nós e nunca houve a intenção de nos incluir. Em 1930 um novo golpe militar ocorre e Getúlio Vargas, derrotado nas urnas, assume a presidência. Em 1931 foi criada a Frente Negra, tida como uma das maiores organizações negras da história. Após reunião onde decidiram apoiar o golpe militar e Getúlio Vargas, o Capitão Arlindo Ribeiro da Força Pública, e demais dissidentes fundaram a Legião Negra de São Paulo. Com o intuito de reivindicar mais espaço e direitos na sociedade paulista, entraram na guerra contra as tropas nacionais, em defesa de São Paulo. Posteriormente se tornou uma organização que disponibilizava assistência médica e odontológica, aulas de alfabetização, cursos de qualificação profissional e requisitava garantia de vagas em universidades e escolas públicas para integrantes da Legião Negra. Em documentos que podem ser encontrados no site da Câmara de Vereadores de São Paulo, há informações sobre pedido de verba para manutenção das atividades da Legião e construção de sua sede. Há também o notório reconhecimento, do Prefeito de São Paulo Lineu Prestes, a respeito dos esforços realizados pela Legião Negra para assistência social, cultural e educacional dos negros paulistas. Há quem diga que a Legião Negra foi um equívoco e que se envolver na política foi um erro. Mas esquecem que erro maior era apoiar um golpe militar. A Legião Negra tentou fazer, em 1932, o que hoje deveríamos fazer. Forçar a passagem e ocupar espaços.

Recentemente, através de uma nova e sofisticada versão de golpe, Michel Temer assumiu a presidência do país. Em matéria publicada, pela Forbes americana, mencionam que Michel Temer encheu o gabinete apenas com homens brancos. Posteriormente, a Desembargadora Luislinda Valois foi indicada para a pasta de Direitos Humanos e Igualdade Racial. Como de costume, a mensagem passada é de que negros são habilitados para trabalhar apenas com questões raciais, mas isso é conteúdo para outra publicação. Em dois momentos ações do Ministério de Direitos Humanos me chamaram a atenção. No primeiro a Ministra diz que Michel Temer era padrinho das mulheres negras brasileiras. No segundo momento, durante encontro na ONU, ela defendeu as reformas trabalhistas e previdenciárias e completou dizendo que o Brasil, como sempre, perseverava no combate contra a corrupção com o pleno empenho do poder público e total respeito ao devido processo legal e às garantias individuais preconizadas na Carta Magna brasileira.

Tudo isso para chegarmos ao local dos negros na política. Podemos destacar 2 fatores que determinam o nosso presente. Em primeiro o fato de fazermos parte de uma nação que não foi criada e planejada para nós. Nunca pensaram em nós, a não ser como escravos. O segundo fator é como tomamos decisões erradas ao longo da história. Quer por omissão ou por tomar partido do opressor. Sobre a pergunta do título, chego à conclusão de que não há negros ocupando as esferas de poder por conta de um projeto de exclusão racial, iniciado antes da abolição. Consequentemente não temos negros envolvidos em escândalos de corrupção. Pelo mesmo motivo não temos nossos direitos e garantias fundamentais respeitados, como também não possuímos legisladores interessados na melhoria das condições de vida da população negra e periférica. É momento de olhar para o passado e definir o futuro. É momento de ocupar, através de todos os meios necessários, os espaços que nos foram negados durante tanto tempo. Para isso, a união é fundamental. Dividir para conquistar é a estratégia do opressor. Não podemos esperar por mais 200 anos para que alguma mudança aconteça. Entre ideologia A e proposta B, nos encontramos. Toda forma de golpe, ao menos por nós, deve ser combatida. Desde a abolição, os golpes foram instrumentos que culminaram na perda de direitos dos mais vulneráveis, dos negros, das mulheres e dos trabalhadores. A história se repete e continuará a acontecer até que nós tomemos uma posição pública e contrária a esse tipo de comportamento. Talvez se nós tivéssemos nos importado mais com a situação política do Brasil, não estaríamos sendo governados por Michel Temer. E não digo isso defendendo Dilma, apenas para reflexão. É momento de acordar.

O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor.

Thiago Ribeiro tem 33 anos e é natural da Capital de São Paulo. É Tradutor e Intérprete por formação. Milita ativamente na área de direitos humanos voltados para a população negra e periférica através de diversos canais e grupos de discussão política. É bisneto do Tenente Arlindo Ribeiro que foi Oficial da Força Pública de São paulo, durante a Revolução de 1932. Seu bisavô comandou tropas dos chamados Pérolas Negras, durante a revolução e foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira, considerada na época como o maior e mais organizado grupo voltado para os negros e que defendia, inclusive a ocupação de espaços em todas as áreas da sociedade brasileira. Entende que somente unidos conseguiremos alcançar os objetivos que há tempos foram desenhados por nossos ancestrais. Seu trabalho busca a conscientização da juventude negra sobre a necessidade de diversificar as estratégias de combate à intolerância e busca por igualdade de direitos, através da educação e consciência política.

 

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