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Entre rinocerontes e hipopótamos, o direito à ancestralidade das religiões de matriz africana

ENTRE RINOCERONTES E HIPOPÓTAMOS, O DIREITO À ANCESTRALIDADE DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Por Eli Laíse de Deus (Kota Gandaleci)*

O candomblé é religião, mas também é a manifestação cultural dos povos tradicionais e ancestrais negros e indígenas. Nos organizamos a partir da construção de relações sócioafetivas entre várias mães, pais e filhos.

Porém, esse tipo de família não é expressamente abarcado pelo Parágrafo Único do art. 12 do Código Civil de 2002, que possibilita ao cônjuge e aos familiares, até o quarto grau, o direito de propor ação de danos no que conste a lesão aos direitos da personalidade de pessoa já falecida.

Com o fim da capacidade jurídica da pessoa iniciada no Candomblé, estaremos diante de um ancestral com relevância religiosa, merecendo todo o respeito da geração atual e futura.

Recentemente, Makota Valdina (Valdina de Oliveira Pinto), após comprido a missão no Aiyê (plano físico), retornou para o Orum (plano espiritual) e teve a sua imagem atingida na Câmara Municipal de Salvador quando foi nivelada a uma suposta “rinoceronta” que viveu no zoológico da mesma cidade. A exposição inapropriada de um ancestral religioso ofende também a honra e a dignidade das religiões de matrizes africanas, já que trata-se de uma religião fundamentada no culto à ancestralidade.

Portanto, assegurar o direito à liberdade de culto aos adeptos do Candomblé, consiste em garantir a continuidade da religião a partir do nosso direito à ancestralidade.

A animalização de uma ancestral, que em vida era uma educadora, liderança comunitária e religiosa negra, nos remete ao resquício da escravidão ainda presente em nossa sociedade. Infelizmente, vivemos em um Estado fundamentado no racismo e no ódio, em que as violências se constituem de sutilezas e de boas intenções e o nivelamento grosseiro entre ancestrais e animais é considerado normal para alguns agentes políticos que dispõem do espaço público para disseminar o ódio, constituindo um dano social às comunidades de terreiros.

Makota Valdina, por toda a sua história e legado, recebe de todos os candomblecistas e adeptos de outras religiões de matriz africana, os respeitos e as considerações, conforme manda a cartilha do Candomblé. Somos um povo de ancestralidade e não permitiremos que atitudes racistas, fomentem a degradação de homens e mulheres dessa cidade autodeclarada negra.

*Eli Laíse de Deus (Kota Gandaleci)

Membro da Frente Nacional Makota Valdina, do Coletivo Luíza Barros e do Programa Direitos e Relações Raciais da UFBA.

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