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A democracia racial dos democratas

Comparados com aos conservadores brasileiros, os americanos são absolutamente severos. Eleitores e partidários dos republicanos são capazes de promover mobilizações em enterros de pessoas LGBT e execram quaisquer programas sociais para os mais pobres. A novidade é a reação popular e libertária da esquerda americana, muito além dos discursos tacanhos de congêneres brasileiros, que há bem pouco tempo atrás torciam o nariz para as possibilidades de existência da esquerda nos EUA.

A esquerda brasileira se acostumou a criticar os democratas pela gestão liberal da economia, e procura referências à esquerda, mesmo que sem expressão. Quando os EUA elegerem seu primeiro presidente negro, a esquerda já havia chegado ao governo brasileiro e implementava uma política econômica dita “estabilizadora”. Mesmo assim, torciam o nariz para Obama e o acusavam de imperialista, dentre outras animosidades. É verdade que Obama não é menos imperialista por ser negro. Tampouco é menos negro por ser imperialista. Ser imperialista é uma condição sino qua non para liderar a maior potência econômica e militar do mundo atual. Ser negro, não.

O Partido Democrata mostrou que entende de democracia, inclusive racial, em sua convenção: brancos, negros e hispânicos dividiam o espaço. Gays, trabalhadores, mulheres e jovens estavam lá. As estrelas da convenção, além do homenageado Kennedy e do popular ex-presidente Clinton, eram negras e hispânicas. Um dos discursos mais aplaudidos foi de Nancy Keenan, presidente da maior organização a favor do aborto dos EUA. Que partido brasileiro faria tal proeza, sem medo? O que mais caracterizaria um partido de esquerda hoje? Com certeza, não é a defesa intransigente do socialismo.

A família Obama, em especial a elegante e popular Michelle, representa o giro que o partido sofreu desde a fragorosa derrota das eleições legislativas que antecederam a vitória de Obama. O partido se renovou, atraiu diversas minorias sociais e afastou-se da elite – o que ameaça contribuir para um perigoso desequilíbrio no financiamento da campanha democrata contra a republicana.

Na campanha democrata, a classe média foi atraída para o centro do debate político. Os democratas também se comprometeram com o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto em sua plataforma eleitoral, duas pautas proibidas no debate da esquerda brasileira.

Se compararmos como Brasil, muito vão questionar que estamos bastante avançados. Enquanto os americanos defendem o sistema de seguridade social e de saúde pública, nós em tese já teríamos. Ledo engano. O SUS é uma referência para o mundo, mas jamais foi implementado. No início do Governo Dilma, a esquerda tentou recriar a CPMF para financiar avanços na saúde pública. O imposto incide sobre mais ricos e beneficiaria os mais pobres. Foi derrotada pela elite.

A julgar pela experiência brasileira, a esquerda americana pode ser derrotada em mais duas lutas importantes. Uma delas é oferecer restrições ao porte de armas, que nos lembra da fragorosa derrota no plebiscito do estatuto do desarmamento em 2005. Obama também quer abolir as isenções fiscais dos mais ricos, herança da era Bush, e incentivar o consumo da classe média através de proposta parecida com o imposto de renda progressivo, projeto histórico do PT, onde os ricos pagariam mais imposto de renda e os pobres, menos. Proposta na Reforma Previdenciária e após a reeleição de Lula em 2006, foi rejeitada pelo Congresso.

Os americanos, portanto, continuam mais avançados que o Brasil, se for possível a comparação. Uma vez que não conseguimos, em ambos os países, vencer disputas importantes nas relações econômicas, a diferença na defesa dos direitos humanos torna-se um ponto a mais para eles.

Tudo isso, creio, se deve à eleição do primeiro negro à presidência dos estados federados. Embora Obama não tenha conseguido enfrentar justamente o racismo a contento, nomeou hispânicos e transexuais para cargos importantes no governo. Quando o Tea Party passou a forçar um giro à direita aos republicanos, o Partido Democrata também se viu forçado a defender mais estes segmentos. Com isso, conquistou o eleitorado moderado e agora tenta consolidá-lo. Enquanto isso, as bancadas fundamentalistas ressaem com as maiores bancadas das eleições legislativas municipais.

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