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ATLAS DA VIOLÊNCIA: Quem vai contar os corpos pretos?

Por Joyce Melo e Donminique Azevedo do Portal Correio Nagô

De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras.

 Estão pasmXs? O Movimento Negro, não!

III Marcha Internacional contra o Genocídio do Povo Negro. FOTO: Leo Ornelas

III Marcha Internacional contra o Genocídio do Povo Negro. FOTO: Leo Ornelas

Esse é um dos dados alarmantes demonstrados no Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último dia 5. Os números confirmam aquilo que os movimentos negros, sociais e direitos humanos gritam há muitos anos. Mais que isso, dimensiona estatisticamente o genocídio do povo negro.

No período entre 2005 e 2015, enquanto houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros diminuiu 12,2%.

Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra –  considerou o estudo.

Mais de 318 mil jovens foram assassinados entre 2005 e 2015. Os negros respondem por 78,9% dos indivíduos pertencentes ao grupo dos 10% com mais chances de serem vítimas fatais. 

Na Bahia, em 2015, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes de negros  é 45,0, enquanto que a taxa para não negros é de 12,0. 

O estudo questionou a omissão do poder público, uma vez que políticas públicas efetivas não chegam, além de criticar a qualidade da educação e a falta de investimento na mesma considerando como uma das causas de delinquência e crime juvenil.

Enquanto isso, a sociedade, que segue marcada pelo temor e pela ânsia de vingança, parece clamar cada vez mais pela diminuição da idade de imputabilidade penal, pela truculência policial e pelo encarceramento em massa, que apenas dinamizam a criminalidade violenta, a um alto custo orçamentário, econômico e social – pontuou o estudo.

Mas até quando as balas vão permanecer encontrando majoritariamente o corpo negro? Nesse sentido, os dados são importantes porque torna legítimo para o mundo inteiro o choro e luta das mães pretas e o grito dos ativistas negros, já que, ainda permeia na sociedade um discurso de que “discriminação racial não existe no Brasil”.

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER NEGRA AUMENTA

Helem

Helem Moreira, uma das milhares de mulheres vítimas do feminicídio no Brasil.

Aos 28 anos, a pedagoga Helem Moreira, de 28 anos, foi assassinada, na última sexta-feira (09), em Vera Cruz, na Bahia. A jovem foi encontrada morta, em casa, com golpes de faca na região do pescoço. O principal suspeito é o companheiro Angelo Silva de Souza.

Mortes como a de Helem Moreira são recorrentes. Para se ter ideia,  em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, este número equivale a cerca de 12 mulheres assassinadas por dia. A porcentagem de homicídio de mulheres cresceu 7,5% entre 2005 e 2015, em todo o País. “Com base nesses dados do SIM [Sistema de Informações sobre Mortalidade] não é possível, contudo, identificar que parcela corresponde às vítimas de feminicídios, uma vez que a base de dados não fornece essa informação”, justifica o estudo.

“O feminicídio de Helem não pode se tornar ou engrossar estatísticas. Este crime bárbaro não pode ser esquecido. Não precisamos de indignação seletiva. Precisamos de ação!!! Estamos sendo assassinadas porque somos mulheres. E não é por acaso que a violência doméstica e a sexual são denunciadas pelos movimentos de mulheres há décadas. Somos vítimas de preconceitos históricos e culturais naturalizados socialmente. Em 1995, Beatriz do Nascimento, intelectual negra e ativista, morreu para defender uma amiga da violência de seu companheiro. Ela teve sua vida e trajetória intelectual interrompidas…”, assevera Cristian Sales,  uma das amigas de Helem, em carta compartilhada nas redes sociais

Se é difícil ser mulher no Brasil, ser mulher negra significa estar em vulnerabilidade ainda maior. A taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 7,4%, entre 2005 e 2015. O homicídio de mulheres negras aumentou 22,0%.

Em 2015, a taxa de homicídio de mulheres negras na Bahia foi de 5,3, enquanto que a taxa de homicídio contra mulheres não negras foi de 2,5, neste mesmo ano 382 mulheres foram mortas.

Laina Crisóstomo é uma das responsáveis pelo grupo Tamo Juntas, iniciativa que visa  tirar dúvidas das mulheres, orientá-las e atende-las. Para as mulheres fora de Salvador, o grupo tenta articular advogadas e redes que possam assistir essas mulheres.

Laina Crisóstomo é uma das responsáveis pelo grupo Tamo Juntas, iniciativa que visa tirar dúvidas das mulheres, orientá-las e atende-las. Para as mulheres fora de Salvador, o grupo tenta articular advogadas e redes que possam assistir essas mulheres.

A advogada Tamo Juntas Laina Crisóstomo questiona os números, principalmente pela ausência de qualificação no que diz respeito ao feminicídio. “Primeiro que estamos falando de números oficiais que para além de terem o registro tem também o entendimento do tipo de crime. Por exemplo, quantas mulheres são mortas por Feminicídio no Brasil? Precisamos pensar que muitas mulheres que são mortas hoje a delegacia e o Ministério Público não querem e não entendem que foi por motivação de violência de gênero”, alerta a especialista, que desenvolve um trabalho social no grupo Tamo Juntas.

A Lei do Feminicídio considera o homicídio de mulheres em crime hediondo quando envolve violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Todavia, diversos fatores dificultam que crimes com essas características sejam classificados como Feminicídio.

“Estamos acompanhando um caso por exemplo de uma mulher que sofreu uma tentativa de Feminicídio. O inquérito foi feito pela DEAM e em todo o inquérito se fala sobre a relação marital e a motivação para o crime que foi a não aceitação do término, mas ainda assim o Ministério Público denunciou como homicídio simples. Após muito diálogo que conseguimos convencer o Ministério público a editar a denúncia e qualificar o crime como tentativa de Feminicídio, mas isso não deveria ser preciso, deveria ser natural. E é aí que mora o perigo dos dados das pesquisas oficiais feitas, afinal estas são feitas como base nessas informações controvérsias e divergentes. Tudo isso em razão do machismo e misoginia da estrutura da Justiça. Se falarmos de mulheres negras, se acrescenta o racismo, afinal a maior parte das mulheres que são mortas todos os dias são mulheres negras, mas quantas chegam na delegacia como Feminicidio? Quantas não passam por mulher de traficante? Envolvida com o tráfico? Ou uma casualidade?”, denuncia Laina.

 DESTRUIÇÃO EM MASSA

Dentre outros dados, é importante citar que  a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais. A arma de fogo continuou como personagem central na história da violência letal em 2015. 41.817 pessoas foram mortas por essas armas, o que correspondeu a 71,9% do total de homicídios no país.

Apenas em três semanas são assassinadas no Brasil mais pessoas do que o total de mortos em todos os ataques terroristas no mundo nos cinco primeiros meses de 2017, que envolveram 498 atentados, resultando em 3.314 vítimas fatais.

Atlas da Violencia - IPE- Grafico

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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