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Bairro mais negro de Salvador tem escalada de casos de covid-19

Pernambués, bairro de Salvador com maior população autodeclarada negra, é também o que registra mais casos de contaminação pelo novo coronavírus. Prefeitura adotou medidas restritiva na comunidade pela terceira vez.


Cleonice de Jesus Souza, de 68 anos, há quatros anos assumiu um dos maiores desafios da sua vida: fazer a gestão de um condomínio residencial onde moram mais de 700 famílias e cerca de 3 mil moradores, dando conta de aspectos como segurança, limpeza, iluminação e os usos coletivos das áreas externas.

O que já era difícil para essa militante das causas sociais ganhou dimensões dramáticas com a pandemia causada pelo novo coronavírus. Isso porque o Condomínio Residencial São Judas Tadeu, do qual Cleonice é síndica-geral, fica localizado em Pernambués, um dos bairros mais populosos de Salvador e que registra mais de 2 mil casos confirmados para a covid-19, ocupando o primeiro lugar em contaminação entre os bairros da capital baiana.

“Eu estou muito preocupada, as pessoas não tomam consciência, ficam na rua, conversando, jogando cartas, próximas umas das outras. A gente distribuiu máscaras, mas tem gente que não usa por ignorância e outras por perversidade mesmo”, aponta.

Cleonice não possui dados oficiais, mas suspeita que já são dezenas de casos de covid-19 somente dentro do condomínio, com seis ou sete óbitos. “A gente não tem como confirmar porque as pessoas não nos informam, escondem por medo do preconceito ou mesmo porque a confirmação não vem tão rápido. Ontem mesmo recebi a notícia do falecimento de uma senhora, de mais de 80 anos, vizinhos próximos dizem que foi a covid, mas a família não confirma”, lamenta a síndica.

Cleonice de Jesus Souza é síndica de um condomínio com 44 prédios e 704 apartamentos.
Foto: acervo pessoal

Mensagens do Presidente

Algumas medidas foram tomadas pela Prefeitura Municipal de Salvador em Pernambués, como a restrição do comércio não essencial no bairro, a testagem dos moradores, distribuição de máscaras e reforço na higienização das ruas, mas os números só fazem crescer no bairro que possui mais de 64 mil habitantes, com muitas residenciais em áreas desordenadas e um comércio intenso, além da proximidade com áreas estratégicas da cidade, como a estação rodoviária de Salvador e três dos maiores shoppings da capital.

“O problema todo começa com este presidente que não assume sua responsabilidade de gestor do país, não tem competência para isso e ainda fica colocando como exagero as medidas dos prefeitos e governadores para combater essa pandemia. A situação poderia ser ainda pior se não tivéssemos prefeitos que colocaram a proteção às vidas acima de tudo”, defende Cleonice de Jesus, em referência à quebra de braço do presidente Bolsonaro com governantes como o próprio prefeito de Salvador, ACM Neto.

Quem mora no Condomínio São Judas Tadeu aponta os defensores do presidente como os que mais se recusam à cumprir as medidas de prevenção como o uso de máscaras e o distanciamento físico, colocando em risco toda a coletividade. Mas essa não pode ser a única justificativa para essa crescente contaminação na comunidade, mesmo porque a apoio ao presidente não é tão grande no bairro, como não é na cidade onde o atual chefe do executivo nacional foi derrotado em todas as zonas eleitorais, obtendo pouco mais de 31% dos votos válidos.

A dificuldade de se manter em casa

Imagem aérea do bairro (Filme: Pernambués: Quilombo Urbano

“O risco de morrer não assusta quando se vive com tantas faltas”. É o que aponta a coreógrafa e professora de dança Jedjane Mirtes, moradora de outra área de Pernambués. A dançarina de 39 anos, que tem dois filhos jovens (um de 18 anos e outro de 12 anos) e já teve casos de contaminação na própria família, se mostra preocupada com a situação do bairro onde nasceu e desenvolve trabalhos sociais.

“Falar de uma comunidade negra nesse momento de pandemia é pensar numa construção social como todo, pensar em como as pessoas podem estar dentro de casa se durante toda a vida estar em casa sempre foi algo indesejado por muitos, pois é um espaço pequeno, por vezes de violência doméstica, de falta de saneamento básico, de faltas de insumos primários como alimentação, água encanada, iluminação adequada. Para a comunidade negra, eu falo de uma grande maioria periférica, faltam condições de se manter em casa, não só financeiras mas psicológicas”, explica.

Jedjane Mirtes atuou como diretora artística do documentário Pernambués-Quilombo Urbano, dirigido por Lúcio Lima

Prefeitura fará terceira intervenção no bairro

Desde que os números do último Censo realizado pelo IBGE em 2010 foram divulgados, o bairro de Pernambués passou a ocupar o título de maior população negra da capital baiana. A soma dos moradores que se autodeclararam pretos ou pardos chegou a mais de 53 mil pessoas, ou 82,45% dos quase 65 mil habitantes do bairro. Ainda segundo dados do Censo 2010, Pernambués é o quarto bairro mais populoso de Salvador.

Com 2.174 moradores que testaram positivo para a covid 19, Pernambués passou a ser também o bairro de Salvador com maior número de casos confirmados de contaminação pelo novo coronavírus. O primeiro a ultrapassar a marca dos 2mil casos. A comunidade passa pela terceira intervenção com medidas restritivas, de 08 a 14 de agosto.

O boletim da Secretaria Municipal de Saúde, divulgado em 06 de agosto, informa que foram 1.049 casos novos no bairro somente nos últimos 30 dias e 259 nos últimos sete dias. Nos primeiros cinco dias de agosto, 174 pessoas foram diagnosticadas com o novo coronavírus no bairro. Os números de casos não param de crescer em Pernambués mesmo após medidas restritivas determinadas pela prefeitura, que em junho e julho fechou o comércio não essencial e controlou a circulação em Pernambués em duas oportunidades, totalizando quase um mês de ações, que incluiu testagem, distribuição de máscaras, higienização de ruas e residências e fiscalização do comércio.

Agora a Prefeitura aposta em uma terceira intervenção na comunidade, com medidas mais rígidas. Os comércios formal e informal devem permanecer fechados, independentemente do tamanho, sendo permitido apenas atividades essenciais, a exemplos de supermercados, padarias, delicatessens, farmácias, açougues e sistema de delivery (sem retirada no local), além dos serviços de saúde.

“A iniciativa visa diminuir a circulação de pessoas nas ruas, evitando aglomerações e, assim, o risco de transmissão da Covid-19”, informa a Prefeitura de Salvador. Haverá ainda distribuição de cestas básicas para trabalhadores informais e entidades sociais que atuam na região, e de máscaras de proteção, testes rápidos para detecção do coronavírus, medição de temperatura, higienização de ruas, ações de combate ao mosquito Aedes aegypti e assistência social.

A Prefeitura de Salvador não informa o número de óbitos por covid 19 distribuído por bairros da cidade. Mas basta conversar com os moradores para saber que a situação de Salvador é representativa do que vem ocorrendo no Brasil, quando a contaminação pela covid-19 tem se mostrado mais letal para comunidade negras e das periferias.

O bairro de Pernambués está localizado na área do Cabula, próximo à estação Rodoviária de Salvador e a três dos maiores shoppings da cidade. Majoritariamente residência, apesar do movimentado comércio, o bairro possui conjuntos habitacionais de prédios e moradias irregulares junto a novos condomínios fechados, incluindo um empreendimento imobiliário planejado para a classe alta da cidade, apresentado como um novo bairro, integrando torres residenciais, edifícios comerciais, escolas e um shopping.

Números de Pernambués

2.174 casos confirmados / 64.983 moradores (o quarto bairro em população da cidade)

62.176 casos na cidade, com 1983 mortes

Fonte: http://www.informe.salvador.ba.gov.br/coronavirus/ , em 10/08/2020

O percentual da população residente em Pernambués por cor/raça

15,97% se autodenominam brancos,

27,77% preta,

1,35% amarela,

54,69% parda

0,23% indígena.

(Censo 2010, IBGE)

Texto: André Santana. Publicado em 10/08/2020

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