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BATE PAPO: Atores falam sobre representatividade na TV

11/12/2018 | às 17h35

Conversamos sobre representatividade na TV com os atores Thaís Lago, Vini de Paula e Ana Flávia Cavalcanti. Falamos sobre racismo, sub-representação e contranarrativas. Confira:

CORREIO NAGÔ: Podem contar um pouco sobre suas carreiras até a televisão? 
VINI DE PAULA: 
Tudo na minha vida começou com música. Obviamente, ela sempre foi presente na minha vida, tendo em vista a maior influência que recebi e recebo até hoje artisticamente que é meu pai. Dessa forma, com 17 para 18 anos, junto com meus irmãos, decidi montar um grupo que levaria nosso sobrenome “Os De Paula”. Desde então, trabalho profissionalmente com a música. No caso da TV, eu fui para Fortaleza no ano de 2017 para ajudar na administração do canal TV Da Gente. Em determinado momento, um dos apresentadores teve alguns problemas pessoais e precisou se afastar, então, um dos diretores do canal, cogitou a ideia de eu apresentar o programa, e assim foi. E agradeço a Deus por ter colocado isso tão de repente na minha vida, pois me apaixonei mais ainda pela arte de estar nas frentes da câmera! Desenvolvi um programa chamado “É Da Gente” onde aprendi muito e fui desenvolvendo e cultivando esse amor pela televisão. 

THAÍS LAGO: A  TV foi uma consequência… Na verdade ser atriz foi uma construção e ainda é. Cheguei  em São Paulo para conhecer e me aventurar como modelo, deu certo, consegui pagar as contas e a faculdade de cinema, em paralelo me dedicava aos estudos de teatro. Tive oportunidades de fazer alguns testes, e amadureci profissionalmente com a prática, por isso é tão importante que continuemos lutando por espeço.

ANA FLÁVIA CAVALCANTI: Minha primeira formação foi em Técnico em Enfermagem no Senac Santo Amaro, mas confesso que sempre quis ser atriz. Depois de uns anos eu consegui me formar em Artes Dramáticas no Indac e em seguida passei CPT Centro de Preparação Teatral dirigido por Antunes Filho.  Essa foi um ótima experiência e recomendo muito esse curso pra quem tem vontade de ser ator ou atriz. Esse curso é gratuito e no site do Sesc Consolação é possível ter mais informações sobre o processo seletivo.
Em seguida fiz a oficina de atores da Record, uma formação com ênfase na TV. Em 2011 me mudei pra Paris e pude vivenciar um pouco da rotina do Théâtre du Soleil dirigido pela Ariane Mnouchkine. De volta ao Brasil fiz teste pra novela Além do Tempo, meu primeiro trabalho na TV Globo com a personagem Carola.

Ana Flavia Cavalcanti | Foto: Jorge Bispo


CORREIO NAGÔ: Em sua maioria, os papéis ofertados tratam de estereótipos dado à comunidade negra? Vocês já recusaram algum convite por ser uma representatividade negativa?  

VINI DE PAULA: – Sem dúvida nenhuma os papéis que são ofertados aos negros e negras, são estereotipados. O que prejudica demais o desenvolvimento do meio artístico, já que temos muitos talentos negros que não tem a oportunidade de serem destaques. Nunca chegou a mim um papel que eu precisasse recusar. Mas conheço atores, jornalistas, que já recusaram ofertas como essa. 

THAÍS LAGO: Meus trabalhos mais  recentes e de maior exposição foi de uma professora (Cúmplices de um Resgate) e uma médica (3%), e é muito importante ocupar esses espaços que nos foram negados, mas acho que mais do que a função da  personagem é importante saber a relevância na história que essa personagem vai  retratar. Por que não adianta você ser um CEO de uma empresa e ainda servir somente de muleta para outros personagens. Já neguei trabalho por conter cenas que reforçavam uma falsa admiração e que na verdade era objetificação do corpo negro.

ANA FLÁVIA CAVALCANTI: Recusei uma vez um trabalho que tinha um recorte racial muito equivocado na minha opinião. Acho importante contarmos todas as historias, sem restrição ou censura, mas é fundamental a maneira como narramos essas histórias e sobretudo qual é o ponto de vista de quem conta a história. Por exemplo, existe uma diferença enorme entre uma novela que é sobre uma empregada doméstica negra e seus desdobramentos de vida cotidiana e uma novela em que existe uma empregada doméstica negra que está ali apenas pra cumprir uma função social dentro da trama.  Na primeira opção a novela é sobre uma pessoa, e uma pessoa são muitas coisas, muitas camadas, ela é mais que o trabalho que exerce. Em uma trama mais completa é possível explorar melhor essas camadas. Na segunda opção não. Muito provavelmente essa empregada doméstica negra não terá família na trama, não terá casa, não terá trilha sonora. Entende? Ela vai existir apenas pra contar a história de outra pessoa.
Minha reivindicação é por boas histórias e bons personagens pra população afrodescendente e negra no Brasil. 

Vini de Paula | FOTO: Bernado Coelho

CORREIO NAGÔ: Como vocês têm construído uma imagem positiva com as personagens negras que vocês atuam? 
VINI DE PAULA: Infelizmente ainda não tive o prazer de atuar, mas acredito que logo isso vai acontecer, afinal eu amo a arte em todas as esferas, e quando isso acontecer, com certeza vou tentar desenvolver e trabalhar o melhor possível para que a valorização da atuação negra no meio artístico aconteça. Enquanto isso sigo cantando e apresentando, mostrando o meu jeito para todos! 

THAÍS LAGO: As personagens que fiz até hoje fogem desses esteriótipos e nenhuma delas fala diretamente sobre questões raciais, porém esses tipos de histórias me interessam também, porque o meu corpo por si só já carrega uma representatividade, mas o que eu sinto falta mesmo é de ver mais de um negro em um mesmo produto. Ter um único negro e dizer que todos ali foram representados não dá conta da nossa complexidade. Sobre a construção é um trabalho de muita troca com toda equipe, pois não construo sozinha e nem poderia, o trabalho fica mais rico quando o dialogo é aberto. 

ANA FLÁVIA CAVALCANTI: Eu tenho feito boas escolhas e confesso que tenho tido sorte em ser chamada para personagens fortes, com arco dramático que vai além da questão racial, mas acho importante ressaltar que no nosso caso, digo atores e atrizes negrxs, as opções de trabalho são poucas, então não é fácil dizer não pra um trabalho. Sempre digo que se tivessem me chamado pra fazer algum personagem com história ruim e eu estivesse em momento difícil de trabalho, provavelmente aceitaria. A questão de sobrevivência em todos os aspectos é muito mais delicada pra nós. E a responsabilidade de contar histórias dignas, empáticas e interessantes em primeiro lugar é do roteirista/autor. 

Thaís Lago FOTO: Carmen Campos

CORREIO NAGÔ: Vocês já passaram por situações de racismo durante teste de elenco ou durante as gravações? Poderiam descrever a situação?
VINI DE PAULA:  Sim. Durante as gravações do programa “É Da Gente”, discutíamos o tema sobre preconceito. Um dos convidados começou a falar sobre preconceito racial, e disse que o negro se vitimizava, e que ele (branco) já havia “sofrido” racismo. Nesse momento então o interrompi e expliquei que ele estava equivocado, que o negro não se vitimiza mas que é a vítima, que o racismo reverso não existia. No final do programa ele me procurou e pediu pra conversar um pouco mais sobre o assunto. Depois disso ele entendeu e se desculpou.

THAÍS LAGO: Sim, como modelo já passei por situações bem desagradáveis, como por exemplo clientes de algumas marcas pedido pra que eu não tomasse sol e mantivesse o tom de pele mais claro. 

ANA FLÁVIA CAVALCANTI: A gente passa por situação de racismo o tempo todo. No Brasil o racismo é estrutural. Praticamente todas as relações são pautadas na questão sócio-racial. Recentemente fui seguida por uma segurança e um gerente, ambos brancos, na Renner da Av Paulista. Felizmente eu me coloquei e a supervisora dessa loja me acolheu e tentou na medida do possível resolver a situação. Mas é uma luta que está longe de terminar. Ainda mais agora que temos um governo que vocifera e autoriza racismo, homofobia e machismo. 

CORREIO NAGÔ:  Para além da televisão, como vocês atuam na luta contra o racismo? 
VINI: Uso a música para passar a mensagem de luta, leio bastante livros sobre o assunto, assisto muitos filmes que empoderam o negro, e sem dúvida nenhuma compartilho nas minhas redes sociais o meu pensamento sobre o racismo. 

THAÍS LAGO: Faço parte de um Hub criativo (C38estúdio), onde fazemos foto e vídeo para algumas marcas, e lá tenho o poder de decisão tanto de elenco como de equipe e um dos nossos pilares é a diversidade. Ocupando esse lugar consigo dar voz a outros.

ANA FLÁVIA CAVALCANTI: Ocupando lugares que “não foram feitos pra mim” e me colocando politicamente nesses espaços. Reivindicando o meu pedaço do bolo. O meu espaço. Na prática tenho atuado, tenho criado minhas peformances, tenho escrito filmes, séries, dirigido minhas histórias. 

CORREIO NAGÔ:  Qual os impactos positivos que vocês tiveram retorno durante a carreira? Poderiam contar uma lembrança?
VINI DE PAULA:  Muitas pessoas me mandavam mensagem nas redes sociais agradecendo por estar ali pois elas se sentiam representadas. Uma das mensagens que me marcou foi a de uma mãe negra e seu filho negro de 4 anos que dizia pra ela que queria “fazer TV” igual o Vini. Isso não tem preço, só fortalece e motiva muito mais a continuar.

THAÍS LAGO: Recebo muitas mensagens, de mulheres principalmente, contando o quanto se inspiram com as minhas personagens. Sei como é isso, por que fico muito orgulhosa quando uma preta tá lá em cima, é como se fosse eu. Quando uma vai, leva todas.
 
ANA FLÁVIA CAVALCANTI: Eu tenho tido retorno diariamente. A cada novo trabalho. A cada encontro com meus parceiros artistas. Além da estrutura da minha vida e da minha família que melhorou muito. A personagem Dóris de Malhação Viva a Diferença também me abriu muitas portas para novos trabalhos. Eu sempre vou agradecer por esse encontro e por esse trabalho.
Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Correio Nagô.
Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.
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