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Comunidade de Rio dos Macacos exige “respostas institucionais” ao assassinato de Seu Vermelho

Um dos mais antigos moradores da comunidade de remanescentes de quilombo de Rio dos Macacos, o trabalhador rural José Izídio Dias, 89, Seu Vermelho, foi encontrado morto em sua casa, com marcas de violência sofrida por um machado, na noite de segunda-feira, dia 25/11.

O velório será nesta quarta-feira, 27/11, e começa às 11h30, no Cemitério Campo Santo, no bairro da Federação, em Salvador. O enterro será às 16h.

“Território é vida! Enquanto houver omissão institucional no cumprimento dos deveres públicos, todas as instituições são responsáveis por cada quilombola que tomba frente à resistência secular de nosso povo”, diz nota da comunidade quilombola (leia íntegra ao final da matéria). 

Em documento, assinado por quase cem organizações sociais, a comunidade do Quilombo Rio dos Macacos denuncia “o processo de invasão da área pelas Forças Armadas” e exige “respostas institucionais cabíveis” ao assassinato de Seu Vermelho, no que se refere ao processo de investigação e de suporte a todos os familiares.

“Além disso, que o Estado brasileiro proceda a imediata titulação do nosso território e garanta condições de segurança a nossa comunidade, cumprindo com o dever constitucional de reparação histórica à população quilombola para que possamos viver com autonomia em nossa terra ancestral”, pede a nota.

As mais de 80 famílias que vivem no quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador, travam há décadas uma disputa com a Marinha do Brasil pelo direito de posse do território, onde foi construída a Vila Naval de Aratu, na década de 1970. A partir de 2010, o conflito se agravou após a União ingressar com ações judiciais buscando a expulsão da comunidade de seu território tradicional. Esta atitude do Estado Brasileiro estimulou um grande movimento nacional, com adesão internacional, em defesa da comunidade Rio dos Macacos. A ativista norte-americana Ângela Davis integrou-se à luta da comunidade quilombola, assim como o rapper Mano Brown.

Recentemente, em outubro de 2019, uma sentença proferida pela Justiça Federal, em sede de Ação Civil Pública, determinou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a finalização do processo de demarcação e titulação da área de 104,7 hectares por meio de título coletivo de propriedade em nome da associação quilombola, no prazo máximo de 540 dias. Confira Aqui decisão no site do Ministério Público do Estado da Bahia.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), esteve em outubro de novembro coletando informações sobre violações de direitos humanos no quilombo.

De acordo com reportagem do Mídia 4P, a Polícia Civil, que apura o assassinato de Seu Vermelho, trabalha com duas hipóteses para o crime: latrocínio ou vingança. “A de disputa por terra é remota, mas não está descartada, diz a polícia. A apuração ainda está em andamento e os familiares da vítima serão ouvidos nos próximos dias. A 22ª Delegacia Territorial de Simões Filho investiga o caso”, informa Mídia 4P, que esteve no local na noite de segunda-feira, junto a diversos órgãos e entidades do movimento social como a Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), a Ideas Assessoria Jurídica Popular, o Coletivo de Entidades Negras (CEN) e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Imagem do filme Quilombo Rio dos Macacos, Josias Pires (2017)

 

 

Em diversas oportunidades o portal Correio Nagô acompanhou as denuncias feitas pela comunidade quilombola de Rio dos Macacos. Leia mais aqui.

Confira abaixo, íntegra da nota da comunidade e vídeo produzido pela TV Correio Nagô, em 2012

 

 

 

 

“A Associação Quilombola de Rio dos Macacos, junto com as organizações abaixo subscritas, vem a público denunciar o assassinato de um dos integrantes mais antigos da comunidade, o Sr. José Isídio Dias, muito conhecido no território como “Seu Vermelho”, de 89 anos. Trabalhador rural, Seu Vermelho integrava o grupo de moradores mais velhos que habita o território quilombola e que presenciou o processo de invasão da área pelas Forças Armadas.
A Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos vive um conflito fundiário produzido pela Marinha de Guerra do Brasil desde os anos 1950, quando teve o seu território espoliado pela construção da Barragem do Rio dos Macacos, e cujo contexto foi agravado em 1970, quando grande parte do território tradicional foi usurpado para a instalação da Vila Naval de Aratu.
Durante todo este tempo, o racismo e a violência institucional sempre estiveram presentes no cotidiano da comunidade, que vive marcada pelo terrorismo de Estado, com mortes, agressões, estupros, expulsões de moradores, derrubada de moradias, saque e destruição de pequenas lavouras para subsistência, cerceamento da liberdade de locomoção, além da negação do acesso às políticas públicas fundamentais para garantia de sua dignidade.
Desde 2010, a luta em defesa do território e pela vida ganhou outros contornos, após a União ingressar com ações judiciais buscando a expulsão da comunidade de seu território tradicional. Como se não bastassem as décadas de abandono sem políticas de acesso à educação, saúde, saneamento básico e direitos afins, a comunidade enfrenta, historicamente, diversas formas de criminalização e perseguição, onde nem mesmo o direito de reivindicar a sua identidade coletiva e a defesa dos Direitos Humanos é respeitado pelas instituições.
Neste percurso, a articulação política empreendida pela comunidade, junto com organizações da sociedade civil e o monitoramento de organismos internacionais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, tem exigido do Estado brasileiro a efetivação dos direitos fundamentais da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos, principalmente no que se refere à recente
sentença proferida pela Justiça Federal, em sede de Ação Civil Pública, que determinou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a finalização do processo de titulação da área de 104,7 hectares por meio de título coletivo de propriedade em nome da associação quilombola.
Território é vida! Enquanto houver omissão institucional no cumprimento dos deveres públicos, todas as instituições são responsáveis por cada quilombola que tomba frente à resistência secular de nosso povo.
Desta forma, exigimos que o assassinato de Seu Vermelho receba todas as respostas institucionais cabíveis, no que se refere ao processo de investigação e de suporte a todos os familiares. Além disso, que o Estado brasileiro proceda a imediata titulação do nosso território e garanta condições de segurança a nossa comunidade, cumprindo com o dever constitucional de reparação histórica à população quilombola para que possamos viver com autonomia em nossa terra ancestral.
Simões Filho, 26 de novembro de 2019.
Associação do Quilombo de Rio dos Macacos
Clique aqui para saber quais entidades assinam a nota. 

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