O Carnaval 2017 passou, mas deixou algumas polêmicas ainda no ar. Uma delas envolve a cantora Daniela Mercury, acusada nas redes sociais de fazer blackface, um ato condenado historicamente pelos movimentos negros mundiais, desde quando atores brancos tinham seus rostos pintados para interpretar personagens negras.
Daniela Mercury usou uma peruca black power no desfile da segunda-feira de Carnaval. A intenção, segundo a cantora, era homenagear Elza Soares, já que a noite foi dedicada ao empoderamento negro. Participaram do desfile, em cima do trio, o casal Lázaro Ramos e Taís Araújo, o ator Luís Miranda e o presidente do bloco afro Ilê Aiyê Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê.
Muitos comentários nas redes sociais denunciaram que a ‘caricatura’, ao invés de exaltar, desumaniza a pessoa negra, que não pode ser tratada como uma fantasia carnavalesca. Além disso, o caso suscitou o debate sobre apropriação cultural, já que artistas negras e os próprios blocos afro são elementos preteridos no cenário midiático da música, inclusive no período carnavalesco. Basta observar o lugar ocupado pelas cantoras negras na Folia e as dificuldades das entidades de matriz africanas para desfilar.
“Desnecessário o blackface. Por que ela não convidou a homenageada para participar? Por que ela não pegou uma pessoa que é negra para representar a Elza? A partir do momento que ela se “travestiu” de Elza tirou o espaço da própria Elza na homenagem. Reconheço o trabalho da Daniela Mercury, mas um erro não justifica o outro, é isso que eu penso. Ninguém se pinta de branco para homenagear um branco”, escreveu Jucy Bruno, que é religiosa do Candomblé e filha do saudoso mestre de Capoeira Canjiquinha (Washington Bruno da Silva, 1925 – 1994).
A ativista do Movimento de Mulheres Negras, Suely Souza Santos, também foi contundente em suas críticas à atitude da cantora: “Não penso que para homenagear Elza Soares precisaria se caricaturar de mulher negra. Sim, é caricatura sim (…) Isto é um afronto. É certo que a cultura não é exclusiva de um grupo desde que sua matriz seja respeitada e usufrua dos seus benefícios. Os blocos afro vivem mendigando apoio do governo para desfilarem no Carnaval. É fato que a figura da Daniela Mercury surge no Axé que foi protagonizado por artistas negras como Margareth Menezes, e que na sua ampla maioria vivem numa batalha constante para sobreviver no mundo artístico e do Carnaval. Isso sim, é apropriação cultural”.
Em entrevista ao escritor James Martins, publicado no site Bahia.ba, o maestro Letieres Leite, da Orkestra Rumpilezz, falou sobre o racismo nas escolhas feita pela indústria da música baiana. “Se Margareth fosse branca não existiria Daniela Mercury. Daniela Mercury entrou pra ocupar o espaço que Margareth tinha levantado. Margareth levantou a bola, quando foi cabecear, empurraram-na, e botaram Daniela no lugar pra cabecear. Eu estava na época aqui e eu vi”, afirma o músico.
De acordo com o site Bahia Notícias, a cantora Daniela Mercury minimizou as críticas sobre apropriação cultural. Segundo o veículo, a cantora teria respondido: “Eu sou preta de pele branca porque a cultura da minha cidade é afro-brasileira e é isso que eu amo. Eu sou Michael Jackson ao contrário, adoro ser negra, minha música é negra, meu empoderamento é negro”.
Nêga Maluca
Não é a primeira vez que Daniela Mercury é acusada de blackface no Carnaval. Em 2007 a cantora realizou um baile infantil para marcar a abertura do camarote que levava seu nome no circuito Barra-Ondina. Na festa à fantasia Daniela Mercury se vestiu de Nêga Maluca, caricatura grosseira da mulher negra, por anos popular na arte e no Carnaval, e que vem sendo combatida pelos movimentos negros e, especialmente pelos movimentos de mulheres negras.
“Não somos ingênuas/os. É preciso enfatizar que nós, negras e negros, não precisamos de Daniela fantasiada de black falando de questões negras porque temos referências negras para fazerem isso por nós. Não queiram nos engabelar. Não façam chantagem com nossa luta contra o racismo e a invisibilidade. Não estamos pedindo absolutamente nada a artistas como Daniela, ela não nos faz nenhum favor, muito pelo contrário, ela sobrevive por conta da nossa história”, destacou Suely Santos Souza.
Por outro lado, algumas pessoas utilizaram as redes sociais para destacar a dedicação de Daniela Mercury à temática da cultura afro e às bandeiras de luta contra o preconceito.
É o caso do jornalista Rafael dos Anjos que, em um texto publicado no portal Correio Nagô, destaca o engajamento da cantora em diversas lutas por empoderamento e propõe: “Melhor que distribuir hashtags prontas, como numa metralhadora giratória, e suas condenações, não seria justo e saudável o debate embasado e coeso?”
O texto tem gerado muita discussão dos contra e dos a favor da atitude de Daniela Mercury
Leia o texto completo e participe deste debate: https://goo.gl/nAj9z4
Texto: André Santana, da equipe do Correio Nagô