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Manifesto: devolva minha Timbalada


Nós, Timbaleiros e Timbaleiras, residentes no Brasil, viemos por meio deste ofício, manifestar nosso descontentamento com a nova versão eletrônica, que vem transformando uma banda amada e que faz parte da metade de nossas vidas em algo sem identidade, e acima de tudo, sem uma relação de pertencimento com a cultura e identidade negra, elemento importante para a compreensão do lugar dessa população na sociedade brasileira. Nós que encontramos hoje, uma banda que rompe com seus traços identitários traduzidos no som do timbal, agogô e demais instrumentos percussivos, tais  elementos se tornaram  ícones fundamentais na construção na musicalidade da banda, e agora encontram-se, por vezes, esquecidos. Registramos, a nossa tristeza e descontentamento e deixamos aqui nosso pesar por ver esses elementos tornarem cada vez menos importantes e sem destaque nos shows e eventos.

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 Sabemos que cultura se constrói de forma cotidiana entre pessoas, por meio de símbolos e significados compartilhados, no entanto, observamos a Banda Timbalada romper de forma violenta com os elementos representativos de uma cultura que expressa a grande influência africana na sua música e virar uma banda pop que ignora suas reais raízes. Para nós fãs, que entendemos que o nosso vínculo e construção de conexão com a banda  está repleta de elementos e significados que há 25 anos vem  conduzindo a nação Timbaleira através da sua  ideologia, comportamento comunitário e identidade cultural, repudiamos não somente o novo formato da banda, como a postura adquirida pela atual diretoria  e assessoria de impressa que, além de  apagar  e bloquear  comentários e usuários  nas redes sociais que  manifestam a sua indignação em relação a situação supracitada,   contradiz as informações trazidas por estes e continua atuando de forma arrogante e sem respeito com o público  que acompanha fielmente a banda, e deu o suporte necessário para ela cativar novos espaços no cenário musical.  

Assim,  nós timbaleiros e timbaleiras que  há mais de 24 anos,  vimos a banda Timbalada nascer e ganhar o mundo mantendo sua tradição com originalidade e musicalidade, observamos o rompimento com uma cultura que adquiriu um significado social, cultural e político importante para a compreensão do lugar da população negra na sociedade brasileira. Somos timbaleiros que encontramos no discurso que a banda reverberava, o fortalecimento identitário das expressões culturais da negritude, do mesmo modo que no Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy e Olodum. Somos timbaleiros e timbaleiras, de ensaios no barro de massapé e saída do  Candeal Ghetto Square com barro e poeira em todo o corpo. Nós somos “A Timbalada”. Somos aqueles que a sustenta com amor, com paixão, com zelo, carinho e cuidado de quem quer vê-la sempre no seu melhor.

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Somos aqueles que não a sustenta por obrigação, e sim por uma relação de pertencimento e amor. Registramos nossa tristeza, em ver a diretoria da Timbalada nos tratando com desleixo, descaso, desdém e retirando itens fundamentais, que a apresentaram ao mundo sob a nossa energia. Somos uma legião que enxerga em cada instrumento e artista que compõe a banda, a ancestralidade resgatada de um carnaval excludente e elitista como o de Salvador. A Timbalada, do mesmo modo que o Olodum e Ilê Aiyê, é o passaporte que nos permite cantar nossa ancestralidade barrada em clubes como Fantoche, Espanhol e Cruz Vermelha, e nos carnavais ao longo dos anos da cidade mais negra do país. Somos os que através do atabaques, agogôs, timbal, tambor e tantos outros instrumentos, sente o coração estremecer e que ultimamente tem uma grande dor ao ver essa emoção silenciada, com a chegada de instrumentos eletrônicos e uma cantora que pode ser uma boa artista em qualquer outro segmento, mas que demostra sua total falta de harmonia, enquanto vocalista desta.coisa linda de se ve

Queremos de volta as canções que louvam nossos ancestrais, fé, dores, amores e propaga nossas raízes. Queremos de volta a Timbalada que nos faz perder o fôlego, ficar ansiosos enquanto o portão não abre.  Queremos a banda que nos faz vibrar com cada percussionista que em seus acordes, mostra a intimidade de um relacionamento que perdura 25 anos. Queremos de volta os elementos que ressalta as características artísticas e a vibração percussiva que nos emociona e transporta para outros momentos de vida. Por isso gritamos, como a ressonância de vozes guardiãs da memória e da cultura negra: DEVOLVAM NOSSA TIMBALADA!

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Sobrevivemos com muita dor, a saída de Ninha, Patrícia e Xéxeu. Vimos nosso gigante Denny crescer, e se tornar a voz que contagia a Nação Timbaleira. Não falamos somente de um cantor, mas de alguém que faz parte da nossa vida enquanto Nação Timbaleira. Queremos de volta, a emoção de esperar os ensaios com a mesma ansiedade de uma noiva apaixonada à espera das núpcias. E por isso, mais uma vez gritamos com amplitude mais acentuada: QUEREMOS A NOSSA TIMBALADA DE VOLTA!  Queremos nossas músicas antigas, queremos músicas novas que tenham a ver com a força percussiva timbaleira, assim como a volta dos instrumentos que a fizeram ser, o que é a Timbalada. Queremos Denny de volta, com seu timbal que nos contagia. O novo não pode desmerecer o passado, é preciso ressignificar a nossa música segundo as  nossas vivências e a nossa cultura.

 Reivindicar nossa banda de volta, não nos leva para o isolamento cultural ou fechamento em guetos. Como diz o professor André Farias Pedroso, “Quem não vive as próprias raízes não tem sentido de vida. O futuro nasce do passado, que não deve ser cultuado como mera recordação e sim usado para o crescimento no presente, em direção ao futuro”. Compactuamos da ideia de Pedroso, de que “não precisamos ser conservadores, nem devemos estar presos ao passado. Mas precisamos ser legítimos e só as raízes nos dão legitimidade”. Entendemos que um povo que não tem raízes acaba se perdendo no meio da multidão, afinal são exatamente nossas raízes culturais, que nos distinguem dos demais e nos dão uma identidade de povo, de nação.  Portanto, falar da manutenção artística desta banda, é falar das raízes que moldaram sua origem, princípio e a forma como foi construída e que não aceitamos abrir mão.

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Continuamos abertos e receptível ao novo, afinal o que faz ser timbaleiro não é a cor da pele, mas sentir-se como parte da identidade afro cultural que a timbalada carrega. Ser timbaleiro é se emocionar com os elementos percussivos e entender o timbal como a manifestação máxima do pulsar desta nação.  O próprio Carlinhos Brown diz que, “Protestamos através dos timbales. O timbal é a nossa voz”. Logo, uma apresentação onde os equipamentos eletrônicos são protagonista, homenagens forçada são montadas para nos silenciar, cortesias são distribuídas de maneira massiva ao invés de ouvir nossas vozes, e uma artista se mantém, mesmo mostrando sua total falta de afinidade com a Timbalada e seus ritos não é com certeza, a maneira correta de promover essas transformações.

Se a atual Diretoria da banda e sua equipe, entende que resolver o impasse sem entrar em atrito com os timbaleiros, utilizando-se do artifício de apagar os nossos comentários nas redes sociais e permanecer calados é uma forma de “dialogar” com o público. Entendemos e respeitamos. Mas, registramos nosso repúdio e a certeza de que timbaleiro que é timbaleiro ROMPE HOJE com essa relação mercantilista desrespeitosa construída por esses. O que é um show sem plateia? Sem a emoção e o brilho da troca de energia entre o artista e seu público? O que é a TIMBALADA, SEM SUA NAÇÃO?

Continuaremos com as campanhas “Devolva minha Timbalada” e “Público Zero” que com toda tentativa de desconstrução, vem mostrando sua força e acima de tudo, comprovando os descontentamentos externados em nossos atos. Uma prova disto, é que os ensaios que NÃO contam com a Nação Timbaleira viraram notícia, não pela energia de quem sabe cada música ou pelos acordes dos instrumentos, mas pelos atos de violência promovidos pela tão aclamada, convidada e cheia de cortesia da “gente bonita”, como celebrou a atual vocalista. Ressaltamos que esse   termo é usado para deslegitimar espaços frequentados por negros, e exaltar os frequentados por brancos.

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Qualquer empresário consciente iria celebrar seu “produto”, e entender que  seu público  precisa que as mudanças não descaracterizem a banda. Ainda mais ao saber que esses “consumidores” não só anseiam pela manutenção de seus princípios iniciais, bem como deseja objetos e lembranças que presentifica a cultura afro-brasileira. Quem é melhor então para avaliar o produto Timbalada, se não seus próprios timbaleiros?.  Enquanto a atual Diretoria não entender que público da banda NÃO é formado pela “gente bonita” que não gosta de pagar, e que fã não é quem aceita tudo sem reclamar, continuaremos não indo aos ensaios e eventos da banda Timbalada e na luta pela manutenção das raízes e valorização dos instrumentos que dão a banda sua identidade única. Enquanto os empresários da Timbalada não entenderem que distribuir ingressos para quem ver a banda somente como uma moda, e não um encontro de amigos, ancestralidade e pertencimento que celebra seus momentos em torno do timbal e demais instrumentos percussivos com seu poder rítmico. Continuaremos do lado de fora! Enquanto a atual Diretoria não entender que é timbal que  traz a alegria de todos os ancestrais para uma roda timbaleira, via seu som não apenas rítmico, mas também harmônico com melodias jamais imaginadas, como dizia o “Cacique Brown”.  Nós continuaremos do lado de fora! Enquanto não formos respeitados pela nossa energia e enquanto consumidores, em especial negros que querem respeito, cuidado e preços justos como qualquer outro consumidor.  A banda Timbalada poderá continuar distribuindo cortesias até definhar.

Queremos ser respeitados e cuidados como pessoas que  amam suas verdadeiras raízes. Enquanto pessoas que ouvem todos os dias as músicas da banda, que brilham os olhos toda vez que lança uma música nova, que esperam desesperadamente as datas dos ensaios, que vibram na concentração do bloco, que assistem, que lutam, que defendem e admiram.  Desejamos manter a banda e suas raízes eternizadas no maior pódio possível, o mais alto de todos, assim como o  Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy e Olodum. Somos os que choram quando houve OS, Casa Branda, Ginga de Balé, Namoro a dois dentre tantos hits que nos embalaram.

Somos os que se sentem traídos, ao ver que nada disto significa algo para a atual Diretoria e sua equipe, logo, só nos resta a despedida. Restam as lembranças do passado e tudo que esse amor nos trouxe encontram-se guardadas nas nossas lembranças, os momentos felizes do que já foi a maior banda com um público imenso, tão imenso, que se tornou uma nação. Entendemos que esses velhos amores não servem mais e não trazem recordações como as que temos.

Portanto, só nos resta nos despedir.  Terminamos o nosso ciclo com a tristeza de quem ver essa pela primeira vez, não fazer sua ressaca que coroava e fechava o verão. De quem ver como diferente dos ensaios anteriores, os ingressos não são esgotados, os abadás vendidos casados e com desconto e ingressos que sempre foram a dinheiro, sem o menor respeito com a especificidade financeira de seu público, ser vendido em cartão como formas de calar a nossa voz.

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Continuaremos reivindicando uma cantora timbaleira, uma produção de eventos com qualidade e segurança, preço justo, uma assessoria de imprensa preparada e que saiba que gerenciar crise, não é apagar post e bloquear timbaleiro, uma Diretoria que não seja arrogante, e principalmente, a manutenção de mais 25 anos do timbal. Afinal, ele é o instrumento que os Orixás e Deus, deram como desígnio a Timbalada para que essa continue a trazer a alegria de todos os ancestrais a cada encontro desta conosco. Nos separamos com a esperança de como em qualquer relacionamento que acaba ainda com amor, , voltar um dia, pois ainda a amos com toda força, mas que precisa e quer a valorização deste sentimento.

 

 

Nação Timbaleira, levamos o axé dos timbal onde formos.

 

 

 

 

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