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Músicos e cantores propõem conhecimento ancestral frente às estruturas de opressões no cenário musical

Seja numa latinha ou num timbal, a musicalidade expressa pela destreza das mãos dos percussionistas ou no canto firme dos artistas da diáspora evidenciam uma ligação entre corpo e ancestralidade, que percorre a história. Conscientes disso, músicos e cantores baianos propõem que conhecimento histórico esteja em compasso com a técnica como resistência frente ao racismo.

O músico e professor na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, Marcos Santos, conta que direcionou sua pesquisa para a Escola de Música para tentar entender o que a palavra “batuque” representava para o contexto diaspórico. “A história da música sempre me tocou”, disse o professor em uma das mesas do III Fórum Negro de Arte e Cultura que reunia diversos profissionais da área. O III Fórum ocorreu de 18 a 22 de março em vários pontos da Universidade Federal da Bahia, reunindo pesquisadores, artistas, produtores culturais, estudantes e interessados nas diversas possibilidades de performance e expressão das artes negras.

A inquietação de Marcos Santos o levou a localizar a palavra batuque em diversos países africanos cujo o idioma é o português. No entanto, não encontrava a origem da palavra. Foi pesquisando no arquivo público, bibliotecas e nos primeiros dicionários brasileiros que o professor descobriu que a palavra é genuinamente portuguesa. “É uma palavra que deriva de uma ideia de batidas”, explicou Marcos.

O professor também reforça que a etimologia da palavra destaca a ação de golpear o tambor, diferentemente de instrumentos considerados clássicos. “O violino, por exemplo, é tido como uma instrumento passivo ao toque, já os tambores africanos eram tidos como instrumento que é preciso ferir para sair o som, o que nos leva a outras problemáticas”, disse.

Músico e pesquisador Marcos Santos_Foto Adeloya Magonini

Ruptura

“Há uma construção histórica preconceituosa com relação ao instrumentos de pele ser algo bruto e que permanece até hoje”, afirmou Marcos. Segundo o professor, que em sua pesquisa esteve em diálogo com percussionistas como Gabi Guedes, artistas negros com pele mais retintas sofrem racismo, que pode variar de acordo ao instrumento que toque. “Seja financeiramente ou no trato, é perceptível como o racismo irá atuar nestas relações com nossa profissão”, revelou.

Marcos ainda alegou que há uma desvalorização da percussão, ainda que seja uma habilidade que exige uma destreza maior que de outros instrumentos. “É uma urgência tomar consciência racial junto à formação e à atuação das práticas para uma mudança”, apontou. Para o também músico Yuri Passos, professor da Escola de Música da UFBA e organizador do projeto “Rum Alagbê” é necessário provocar uma ruptura neste sistema de hierarquia racial.

Comentando sobre o Carnaval de Salvador, Yuri acredita que há uma desvalorização do trabalho do percussionista que é grande maioria durante a folia. “Se os percussionista todos de Salvador dissessem que não iria tocar, não haveria o carnaval”, afirmou Yuri. “Quando olhamos a estrutura, percebemos quem está frente aos lucros, já se perguntarmos ao colega quanto ele ganhou a gente percebe o lugar em que estamos colocados”, comentou.

Yuri contou que durante o período do carnaval recebeu a ligação de outro percussionista que tentava o convencer de tocar para uma banda de samba com um cachê que não compensava. “Eu precisei ser categórico dizendo que ele estava perdendo a noção do trabalho que desempenhava e a função de fazer o convite teria de ser do próprio empresário da banda”, revelou Yuri.

Marcos Santos, Nara Couto, Yuri Passos e Angela Luhning. Foto Adeloya Magonini

 

“O sistema é tão organizado que utiliza os nossos inconscientemente”, descreveu o professor. Para ele é preciso um trabalho coletivo para romper com um sistema de desvalorização. “União, buscar o conhecimento e sua história e quem pode te ajudar neste processo. Porque eles [brancos] estão extremamente organizados”, apontou.

Para a cantora e bailarina Nara Couto, o conhecimento da história é primordial para entender o corpo e a ancestralidade. “A arte me lembra muito a religião, a gente não a escolhe, é escolhido e assim também se estabelece um link artístico”, diz a cantora. Nara contou que durante sua experiência junto ao Balé Folclórico da Bahia ela aprendeu que era preciso juntar o técnico com o pessoal.

“Se vai tocar, vai dançar, não precisa ser parte da religião, mas você precisa conhecer porque isso faz parte de sua história”, explicou. A cantora ainda recomenda que sejam feitas perguntas para si. “Qual é a proposta musical da sua vida? Qual sua pesquisa? Onde está sua ancestralidade em sua jornada?”, descreveu.

“Se não souber quem somos, a gente não vai a lugar nenhum”, afirmou Nara Couto.

Texto: Marcelo Ricardo, repórter estagiário do Correio Nagô 

Fotos Adeloya Magonini

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