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“O nosso jornalismo é parcial, assume um lado”, diz Alane Reis sobre nova edição da Revista Afirmativa

11/12/2018 | às 19h10

“Somos nós, falando de nós, para todo mundo”, é slogan que define a linha editorial da Revista Afirmativa, veículo impresso e online, que renova sua energia em lançamento da terceira edição. Há quatro anos na estrada, entre Cachoeira e Salvador, o veículo ganha nova  plataforma online e canal no Youtube com videorreportagens.

O veículo surge durante a efervescente discussão sobre o impacto das políticas de cotas nas Universidades Federais,  julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2013. A inquietação de Alane Reis, até então graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e estagiária da Pró Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAAE), contagiou mais três estudantes e originaram a primeira edição da revista que se ocupava em trazer o histórico e os horizontes do sistema de cotas, para um contingente de alunos que usufruíram da ação afirmativa, mas o desconheciam.

Alane Reis fala sobre a importância das mídias negras | Foto: Ismael Ismael Silva

Morgana Damásio, Naiara Leite e Jonas Pinheiro compõe a redação junto com Alane, que assina a Coordenação de produção e executiva do veículo. Em entrevista ao Portal Correio Nagô, Alane descreve os itinerários na produção de materiais que sintetizam as dores da juventude negra e as delicadezas em torno de sua construção subjetiva diante do genocídio. Além de contar os enfrentamentos e perspectivas das mídias negras, em períodos de discursos de ódio tão acentuados através das redes sociais e da cultura do algoritmo.

Correio Nagô: Na 3º edição, as marcas do genocídio e a luta de mães põe em destaque um assunto que causa incômodo, além de ser pouco aprofundado no dito jornalismo tradicional. Como a Revista Afirmativa faz este jornalismo “Somos nós, falando de nós, para todo mundo” em assuntos como estes?  

Alane Reis: Desde o início já tínhamos a discussão da política editorial que faríamos. O nosso jornalismo é parcial, assume um lado. Nosso jornalismo tem o compromisso de visibilizar narrativas e ouvir vozes de pessoas que costumam ser subalternizadas, mas também fazemos o jornalismo polifônico. Temos a intenção de ouvir outros setores, mas nossa marca é tratar de temas diversos ampliando a ideia de políticas afirmativas. Entendemos que qualquer editoria ou pauta é de interesse da população negra, desse modo, nosso jornalismo é abordar como este fato irá influenciar a vida da população negra, afinal falamos de um lugar comum. Não queremos fazer jornalismo apenas para o pessoal da militância porque o debate do racismo, sexismo, de violências e diferenças que fazem as hierarquias sociais é para todas as pessoas negras. Destacamos que nosso interesse é falar de nós,  afinal somos 54% da população brasileira, mas para todo mundo!

Correio Nagô: Recentemente vocês lançaram uma plataforma online, o que a comunidade negra encontra nesta nova plataforma que diferencia dos trabalhos que vocês estavam desenvolvendo?

Alane Reis: Ainda estamos em adaptação com a plataforma. A ideia é que façamos dela um instrumento multimídia trazendo as diversas linguagens da comunicação para falar com diversos públicos. Nossa preocupação com a plataforma é essencialmente com a juventude negra. É importante direcionar para os jovens formas de mobilizar, de pensar participação política, e não deixar que as pessoas se atualizarem e se comunicarem a partir das redes socais e compartilhar informações inverídica.

Correio Nagô: Na categoria Reportagem foram premiados três textos e selecionados outros sete para compor o Top 10. A seleção dos textos foi feita, além da equipe Afirmativa, por Rosane Borges, Djamila Ribeiro e Ceres Santos. Como você avalia a produção jornalística de jovens negrxs?

Alane Reis: Foi muito bacana perceber na prática que somos diversos. Dos textos selecionados já dá para ver isso. Encontramos desde assunto da arte como ferramenta de luta até as marcas do genocídio nas famílias. Uma leitura que tenho feito, tanto na militância como na academia, principalmente neste momento de avanço do conservadorismo, é  disputa por narrativas. Maior parte das pessoas que escreveram são moradores de periferias, percebemos também que muitas entraram na universidade por cotas raciais ou por políticas de incentivo e que trazem o debate sobre racismo, questões de gêneros, classe social e sexualidades aparecem de alguma forma e de maneira muito qualificada, que traz para gente outra inquietação de como viabilizar isso. Isso me leva para outras inquietações de  como fazer da Afirmativa, esse espaço de disputa de narrativa e sustentabilidade, como podemos fazer de projeto de mídia negra, mas ainda assim não limitando o acesso por quem pode pagar? Somos um coletivo de jornalistas negros que produz uma revista e uma plataforma, como montar um projeto que não nos onere? O desafio é pensar em como ser um estímulo para que outros jovens negrxs, mas quem tenha também um retorno financeiro.

CN:. Como é produzir memória e repercutir a história da população negra diante ao racismo estrutural e suas formas de atualização de opressão, sobretudo, no sentido de violência à comunicadores negros e de “liberdade condicionada”?

Alane Reis: Liberdade Condicional ou Liberdade Limitada, são importantes para pensar Imprensa Negra, pois até em tempos que ela era uma utopia, no tempo do período escravocrata, já existia experiências de Imprensa Negra que pautava garantia de cidadania quando a escravidão era um sistema político. Posteriormente no pós-abolição e demais períodos, a Imprensa Negra pautou nossas vivências sempre no mesmo sentido de pensar liberdade e promover cidadania. Nós que somos da cibercultura e da internet, a partir das diversas formas de tecnologias de informação e comunicação temos a impressão que nosso discurso é livre.  Sabemos que ainda há formas de censura, não é uma censura puramente estatal, mas do capital, das empresas de redes sociais e de comunicação. Dentro da lógica de algoritmos sabemos algumas palavras são interditada, assim como discurso e imagem. É neste momento também que estamos muito observado. Conseguimos observar uma série de Imprensa Negra como a Revista Quilombo, o Portal SoteroPreta, o Portal Correio Nagô e a Revista Afirmativa quais as narrativas que juntos conseguimos visibilizar? Acredito que faltam contato, falta amarrar projetos políticos coletivos, é algo muito necessário. Vivemos uma disputa de narrativas, mas estamos do mesmo lado.

Correio Nagô: No canal do Youtube vocês também trouxeram videorreportagens com temáticas diversificadas. Como foi a experiência desta produção?

Alane Reis: Foi uma experiência de aprendizado. Audiovisual tem sido a grade linguagem da comunicação. É a linguagem que mais toca as pessoas. Ficamos felizes pela diversidade e nível de subjetividade que os três episódios alcançaram. Era uma preocupação falando de violências, mas abordando como elas nos afetam num lugar mais subjetivo.  Como o afeto, a sociabilidade e a felicidade tem sido formas de resistência, sobretudo para a juventude negra. Acaba sendo uma experiência cara, mesmo com o recurso de edital. Mobilizamos muitos profissionais, pela necessidade da qualidade técnica que estamos prezando. Tanto com a imprensa, como os vídeos, como tem sido do site que ainda está em atualização. Mas avaliamos que conseguimos fazer de tudo como pensamos. Por isso é preciso agradecer à Larissa Fulana de Tal, Thamíres Viera, David Aynan que representam o coletivo Tela Preta, assim como o Odara – Instituto da Mulher Negra que foram grandes parceiros nesta missão.

Leia a Revista Afirmativa: http://revistaafirmativa.com.br/edicoes/ 

Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Correio Nagô.

Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.

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