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O que os negrxs não querem?

19/12/2017 | às 18h30

Há 3 dias fiz uma postagem, em minha Página no Facebook, com o seguinte questionamento: “o que os negros brasileiros querem?”


Pouquíssima interação ou retorno. Uma seguidora disse que a pergunta era muito genérica. Diante disso percebi que, às vezes, é complicado expressar diretamente o que queremos ou desejamos. Lutamos, gritamos e marchamos por mudanças estruturais em nossa sociedade, mas quando somos questionados sobre o que realmente queremos, ficamos paralisados por alguns instantes.

Vamos tentar fazer o exercício ao contrário para ver se funciona. Vamos dizer o que os negros e negras brasileiros não querem. Dessa forma saberemos também o que queremos. Independente da ideologia política ou filiação partidária, acredito que nossos anseios são os mesmos, do momento em que nascemos, ao dia em que morremos. Vamos tentar.

Negrxs não querem ser desrespeitados na escola.
Negrxs não querem ser comparados a macacxs.
Negrxs não querem aprender somente sobre a cultura de um povo, durante a educação de base.
Negrxs não querem ser tratados, pela polícia, de maneira diferente de outros cidadãos.
Negrxs não querem ser perseguidos por seguranças enquanto fazem compras em estabelecimentos comerciais.
Negrxs não querem permanecer no topo das estatísticas de mortes violentas.
Negrxs não querem ser tratados como animais, durante abordagens policiais.
Negrxs não querem que seus jovens sejam encarcerados sob falsas alegações.
Negrxs não querem que seus filhos jovens sejam exterminados diariamente devido a falsos autos de resistência.
Negrxs não querem que mulheres negras continuem sendo as maiores vítimas de violência doméstica.
Negrxs não querem que as mulheres negras continuem na base da pirâmide, trabalhando mais tempo e recebendo os menores salários.
Negrxs não querem debater cotas raciais para ingresso em universidades, serviço público ou casas legislativas, visto que já há lei específica e vigente.
Negrxs não querem assistir TV aberta sem atores e atrizes negrxs.
Negrxs não querem que suas criançxs tenham vergonha de seus cabelos, narizes ou cor da pele.
Negrxs não querem ser representados sempre como escravxs, mendigxs, empregadxs ou seguranças.
Negrxs não querem que seus templos religiosos sejam destruídos por pessoas de outras religiões.
Negrxs não querem ter que esconder sua fé, por medo da intolerância.
Negrxs não querem abandonar suas tradições e o respeito à sua ancestralidade.
Negrxs não querem que determinada religião tenha mais importância que as demais.
Negrxs não querem ser tratados como objetos.
Negrxs não querem ser confundidos com empregados, quando são Donos, Gerentes, Coordenadores, Supervisores e etc.
Negrxs não querem que sua competência seja colocada em dúvida por causa da cor da pele.
Negrxs não querem ser impedidos de disputar posições de comando nas empresas.
Negrxs não querem ter que morar em locais de vulnerabilidade social, sem acesso a saneamento básico e educação de qualidade.
Negrxs não querem ser usados apenas para conseguir votos para candidatos não negros.
Negrxs não querem ser representados, no parlamento, por pessoas que não tem sensibilidade com as questões e pautas negras.
Negrxs não querem fazer parte de puxadinhos nos partidos políticos.
Negrxs não querem que o Congresso Nacional tenha apenas 3% de negrxs.
Negrxs não querem ter que passar mais 130 anos brigando por liberdade, igualdade e justiça.
Negrxs não querem sofrer com depressão e outras doenças da mente causadas pelo racismo.
Negrxs não querem sentir a indiferença da sociedade a respeito de sua dor.
Negrxs não quererem ser excluídos.
Negrxs não querem destaque apenas no esporte ou no carnaval.
Negrxs não querem um país que não os aceita.

Pronto! Exercício concluído. Agora sabemos o que não queremos e, consequentemente, o que queremos.

O conteúdo desta coluna é responsabilidade do autor.

Thiago Ribeiro tem 33 anos e é natural da Capital de São Paulo. É Tradutor e Intérprete por formação. Milita ativamente na área de direitos humanos voltados para a população negra e periférica através de diversos canais e grupos de discussão política. É bisneto do Tenente Arlindo Ribeiro que foi Oficial da Força Pública de São paulo, durante a Revolução de 1932. Seu bisavô comandou tropas dos chamados Pérolas Negras, durante a revolução e foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira, considerada na época como o maior e mais organizado grupo voltado para os negros e que defendia, inclusive a ocupação de espaços em todas as áreas da sociedade brasileira. Entende que somente unidos conseguiremos alcançar os objetivos que há tempos foram desenhados por nossos ancestrais. Seu trabalho busca a conscientização da juventude negra sobre a necessidade de diversificar as estratégias de combate à intolerância e busca por igualdade de direitos, através da educação e consciência política.

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