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OPINIÃO: Mãe Stella de Oxóssi e a sua legião de Hipócritas

08/01/2017  | às 15h30

Por Paula Azeviche*

Então, já que eu não sou feita no Candomblé, portanto, não entendo quase nada de hierarquia na religião, vamos falar de uma mulher, negra, de 92 anos, que vive o amor com uma mulher branca, de 55 anos há 12 anos.

Vamos falar também, que esta mulher, negra, não tem respeitada a sua voz, quando diz que quer ir morar em outra cidade, ao lado da companheira. Daí, eu quero ressaltar que, nesta conversa, tem 5 homens na frente destas duas mulheres formando uma barreira e as impedindo de falar qualquer coisa. Tem uma mulher que grava tudo, e tem outros homens e mulheres ao redor, mas ninguém faz nada. E, no desfecho deste vídeo, uma mulher, de 55 anos, que é arrastada para fora do ambiente da discussão por 5 trogloditas, com comandos de: “não deixe marcas”, “sem machucar”, todo o processo de humilhação é minuciosamente orquestrado.

O vídeo, evidentemente, foi vazado, e publicado por alguns importantes jornais da Bahia. E do lado de fora desta cena vergonhosa? O silenciamento, completo e absoluto da história de vida de uma mulher negra, que lutou (ainda luta) e viveu (e está bem viva!) por uma comunidade por mais de 8 décadas. Agora, essa mesma comunidade, passa por cima dos seus interesses, a trata como incapaz, fala que, devido a idade, esta mulher não tem mais condições de pensar sobre a sua própria vida e que está sendo manipulada pela mulher que ela diz que ama.

Absoluto contrassenso. Esta senhora de 92 anos é guardiã e mantenedora de um saber ancestral, mas ao mesmo tempo, é uma incapacitada. Como assim? É aquela história de onde filho chora e mãe não vê. Conhece o ditado? Mas aqui, quem chorou foi a mãe. Esta é a história de Mãe Stella de Oxóssi, importante Iyalorixá baiana, escritora, premiada, Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado da Bahia.

Seguindo casada com uma mulher, por tanto, em um relacionamento lésbico, Mãe Stella perde todo o seu status por simplesmente querer ser feliz. E o resultado disso, é o silenciamento da sua voz. Ninguém é a favor de uma lésbica, ainda mais se for negra.

Não importa a idade, não importa a sua patente, eu vou arrastar a sua mulher na sua frente, eu vou fazer o seu peito sangrar, eu vou fazer sua voz estremecer, eu vou fazer, porque você não pode comigo: o machismo que mata, a lesbofobia que invisibiliza, o sexismo que é ultrajante.

Por que não vejo quase ninguém indignado com este crime?

Vão esperar Mãe Stella morrer para dar o caso como esquecido, apagado, foi um episódio que não deverá ser lembrado. Mas aí, existe uma ação na justiça, contra a companheira da Mãe Stella, com mais de 70 assinaturas, acusando ela disso e daquilo, rola as conversas de que, bons filhos, vão visitar a Mãe e que são impedidos, e essa é a prática de perseguição, até que se conclua o Feminicídio de uma ou da outra, ou das duas. Porque é assim que funciona.

Quero que qualquer um fale para mim, que se fosse um homem que estivesse do lado de Mãe Stella, sentado no sofá, se ele seria arrancado do lado da sua mulher daquele jeito e muito menos se seria filmado. Então, nem venham com conversa fiada que a sexualidade da Mãe de Santo não é a pauta. Só é a pauta. Porque é assim que é!

Mas eu não vi ninguém fazer textão com a dor da lésbica negra.

Ah, já sei. Tem o lance do lugar de fala. Saquei. Mas então esse papo de sororidade, solidariedade é só para as mulheres de verdade, né? Para as filhas da heteronormatividade.

Tudo dito, a sua omissão não me surpreende. Eu sou vítima da omissão todos os dias. Sei o que é existir sem ser vista. Sou casada com uma mulher negra, sou Pedagoga, Mestra em Estudos Étnicos e Africanos, produtora cultural, ativista das causas sociais e raciais desde a minha juventude, mas enquanto eu mantinha relacionamentos héteros eu era a maravilhosa, cantora, atriz, a foda na Bahia! Agora, eu nem sei quem sou para as pessoas, e pouco me importa. Sou que nem a Mãe Stella, tenho o “rabo preso” com a minha companheira, com quem construo a minha vida, meus planos, pago as minhas contas.

Eu estou com Mãe Stella de Oxóssi, porque falar de sexualidade nesse mundo, é tomar posse máxima da liberdade de ser quem você é. Sinto muito por tudo o que aconteceu, sinto por tanta gente hipócrita, que tem o conhecimento da história, mas que não tem a mínima coragem de partir em sua defesa, porque na real são lesbofóbicas, machistas, sexistas, me dão nojo.

Sinto e te respeito, te amo, peço por você, e te peço a benção, Mãe. Oxóssi que te proteja.

*Paula Azeviche é pedagoga e mestra em Estudos Étnicos e Africanos – FFCH/UFBA.

O conteúdo deste artigo é de responsabilidade da autora.

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