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Série Atlanta: aula sobre como é ser negro numa sociedade racista

Você precisa assistir ao 6° episódio da 2° temporada da série Atlanta (sim, tem na Netflix).

Por Anderson Shon para a Coluna “Black Nerd”

Negrx!!! você tem uma missão pra hoje.

Odeio qualquer pessoa que se acha no direito de impor alguma série, filme ou música só por entender que aquilo é quase sagrado, por isso o termo VOCÊ TEM é repulsivo. No entanto, VOCÊ TEM que assistir Atlanta, mais precisamente o sexto episódio da segunda temporada. (Obs.: Está na Netflix)

“Eu não irei entender nada”. Esse é o primeiro pensamento que vem a sua cabeça, mas esse é um filler, nome dado aos episódios que não se conectam diretamente com a história desenvolvida ao longo de uma série. Você pode assisti-lo sem ter assistido ao resto que não irá fazer diferença. Mas, vale o conselho: a série é incrível e VOCÊ TEM que ver.

Atlanta é produzida e roteirizada por Donald Glover, talvez você o conheça pela sua faceta musical, o Childish Gambino e sua preciosidade intitulada This Is America. A mente brilhante de Glover já levou Atlanta a ser premiada no Emmy e reconhecida como uma das melhores séries atuais com temáticas raciais. Esse episódio – intitulado Teddy Perkins – traz uma quantidade enormes de metáforas e símbolos que transformam os 26 minutos e 18 segundos em uma aula sobre como é ser negro numa sociedade racista.

com a perfomance This Is America, Donald Glover conquistou repercussão mundial pela contundência da denuncia contra a violência racial

O episódio segue Darius – interpretado por Lakeith Stanfield – indo até um casarão para pegar um piano que estava sendo doado pelo dono. Ao entrar, vê a figura excêntrica de Teddy Perkins, um homem de pele muito branca, aparência frágil e tom de voz fino e agudo. Os dois conversam sobre gostos musicais. É quando Teddy deixa claro seu desagrado quanto ao hip-hop e se apresenta como irmão de Benny Hope, famoso pianista, alvo de grande admiração de Darius. A partir daí as metáforas e analogias se sucedem. A fala de Ted começa a levá-lo a uma comparação inevitável.

Teddy Perkins foi inspirado em Michael Jackson, o que leva a crer que o personagem já foi negro. Ele está comendo um gigantesco e alvo ovo de avestruz, demonstrando uma grandeza forçada, uma mostra do que se tem, mas não do que se é.

Instaura-se um clima de suspense em volta do dono da casa. Darius, preocupado e receoso, liga para seu amigo, Paper Boy, contando toda a situação. Ao ser perguntado se Teddy Perkins era branco ou negro, ele afirma não saber, dizendo que ele parecia mais um fantasma.

Entendem? Um fantasma, um ser invisível que tem sua aparição associada a quem pode fazer mal ou assustar a todos ao redor. As metáforas em relação ao status social dos negros não acabam por aí, mas é necessário ressaltar que essa é uma visão estadunidense, onde negros realmente são minoria, cerca de 15% da população.

A analogia ganha ares dramáticos quando Teddy conta a relação que ele tinha com o pai. Parece muito que ele está falando sobre a vida e como negros precisam sofrer mais que brancos para alcançarem um lugar à sombra. Ele justifica essas ações como se não houvesse uma outra forma, como se essa dor fosse parte de algo muito maior, algo já enraizado. Ao citar outros pais que precisaram ser duros para que seus filhos entendessem o que é a vida, ele cita seis pais, cinco deles são de filhos ou filhas negras.

Finalmente com o piano, Darius o coloca no elevador, mas, por conta do mau funcionamento, vai parar num quartinho e descobre que o pianista Benny Hope está lá, com o rosto coberto por um pano azul, em uma cadeira de rodas e se comunicando através de um quadro de aviso.

Os três personagens do episódio são negros de formas diferentes. Darius entende sua negritude e convive com isso, tanto é que no começo do episódio ele compra um boné com a bandeira dos confederados – símbolo considerado racista – e troca os dizeres de FEITO NO SUL para VOCÊ ESTÁ FURIOSO?

O sul foi a última região estadunidense a abolir a escravidão. Benny Hope, recluso, sofrendo por não ter mais sua identidade, representada por ser um personagem “sem pele”, sem voz, quase que sem vida. E Teddy Perkins, que ao não se ver mais como negro, acaba sendo uma sombra de si mesmo, querendo manter vivas histórias e atos que não mais existem, exatamente por ser resultado de um esmagamento social e racial.

O criador Donald Glover e o fantasmagórico Teddy Perkins

Por fim, Darius discursa sobre algumas pessoas que não conseguiram ter contato com o amor, por isso se tornam o que são. Podemos entender que ele fala sobre as vítimas de uma sociedade que coloca um rótulo em alguém só por causa do tom da pele.

O final disso tudo é tão genial quanto o processo, mas aí seria spoiler e eu não sou do tipo que acaba com a graça de ninguém. Todavia, posso adiantar que a música Evil de Stevie Wonder é background para o desfecho e a letra confirma tudo que foi dito anteriormente. Vale a ressalva de que Teddy Perkins é interpretado pelo próprio Donald Glover, o que torna o personagem e o episódio ainda mais sensacionais.

Atlanta é incrível e VOCÊ TEM que … assista, somente assista.

#WakandaForever

Apaixonado por poesia e pela cultura geek, Anderson Shon (Anderson Mariano de Santana Santos) é escritor, poeta e professor, com graduação em Comunicação Social. Autor do livro Um Poeta Crônico(2013), divulga seus escritos por meio de um blog, um canal no youtube e em seus perfis nas demais redes sociais digitais. A partir de abril de 2019, integra o grupo de colunistas do portal Correio Nagô, assinando textos para a coluna Black Nerd.

Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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