O acampamento “Luta pela Vida”, com cerca de 1,5 mil lideranças, vai continuar na capital federal até 11 de setembro. Julgamento do marco temporal foi retomado pelo Supremo nesta quarta-feira (1).
Antônio Paulo*
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quarta-feira, 01 de setembro, o julgamento do “marco temporal” das demarcações de Terras Indígenas (TIs), suspenso na última quinta-feira, 26 de agosto, após a leitura do relatório inicial do ministro Edson Fachin.
Na sessão de hoje, deverá ocorrer somente as manifestações orais dos advogados de defesa, de acusação e dos amicus curiae na ação (RE 1017365), cerca de 29 entidades de defesa dos povos indígenas contrárias ao marco temporal.
A expectativa das lideranças indígenas é que o julgamento do STF continue nesta quinta-feira (2) ou seja transferido para a próxima semana, culminando com a Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre os dias 7 e 11 de setembro, em Brasília.
A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, descartou a possibilidade de o STF paralisar o julgamento, com um pedido de vista, por exemplo, e transferir a decisão para o Congresso Nacional. Em junho deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, aprovou o marco temporal no Projeto Lei nº 490/2007. A proposta aguarda decisão do plenário e depois segue para o Senado.
“Da nossa parte, essa história de o Supremo tirar a responsabilidade do julgamento do marco temporal e transferir para o Congresso é uma especulação da imprensa. Nós, da Apib e de todo o movimento indígena, acreditamos na continuidade e no padrão de julgamento do STF”, declarou Sônia Guajajara.
Para a coordenadora da APIB, se o marco temporal for aceito pela Corte Suprema do Brasil, o impacto vai ser desastroso para os povos indígenas. “Será a negação de toda a ocupação tradicional existente, será negar a existência e decretar o extermínio dos povos originários, Mas, estamos confiantes no Supremo Tribunal Federal e que haverá um resultado favorável a nós”, disse Sônia Guajajara.
O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), região Leste – que reúne os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e parte da Bahia – Haroldo Heleno, vê com muita preocupação a possibilidade de o STF admitir o marco temporal, “uma tese ilegal e recheada de inconstitucionalidades”.
“Não acreditamos que vá ser estabelecido esse marco temporal, mas se o for, causará mais estragos na vida dos povos indígenas , mais direitos serão usurpados além do que já vem ocorrendo ao longo desses 521 anos. Será a decretação oficial da extinção dos povos indígenas do Brasil. Portanto, a nossa expectativa, por conta dessa composição do STF, é que o marco temporal nas demarcações das terras indígenas não seja acolhido, pois, essas populações e toda a sociedade já não suportam mais tantos atos e desmandos desse governo contra os povos originários do Brasil”, disse Haroldo Heleno, do Cimi Leste.
O que é o marco temporal
No processo do marco temporal, o Supremo analisa a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.
O status de “repercussão geral” dado em 2019 pelo STF ao processo significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário, no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de servir para balizar propostas legislativas que tratam dos direitos territoriais dos povos originários.
Apesar da Constituição não ter estabelecido nenhum limite de tempo para a demarcação de terras indígenas, ruralistas e setores interessados na exploração destes territórios de ocupação tradicional defendem, com a tese do “marco temporal”, que os povos originários só deveriam ter direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988.
Esta tese vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações de terras indígenas e foi incluída em proposições legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional, como o PL 490/2007.
Acampamento “Luta pela Vida”,
Na capital federal desde o dia 22 de agosto, cerca de 1,5 mil indígenas, de 176 povos de todas as regiões do país estão acampados em Brasília e aguardam com grande expectativa e esperança pelo julgamento do STF. Na semana passada, eram seis mil indígenas reunidos no acampamento “Luta pela Vida” para acompanhar o julgamento no STF e lutar em defesa de seus direitos, protestando também contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, na maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.
Na manhã desta quarta (1), a reportagem da Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAí) visitou o acampamento “Luta pela Vida”, em Brasília, e registrou plenárias de debates, discursos de lideranças e representantes de entidades, danças e gritos de guerra vindos de vários povos e tribos de todas as regiões.
Os jovens do povo Xokleng, de Santa Catarina, entoavam um canto que enaltecia a luta; as guerreiras Kaiapó, do Mato Grosso, também pediam aos deuses a força para vencer a batalha, assim como a dança dos Guarani, de São Paulo.
Cultura Tupinambá
No terreiro do acampamento “Luta pela Vida”, homens e mulheres do povo Tupinambá de Olivença, do Sul da Bahia, cantavam e dançavam com seus maracás as cânticos tradicionais de sua cultura, pedindo forças aos encantados e à natureza para vencer essa batalha.
“A nossa expectativa e dos 1.500 indígenas que agora estão aqui e dos 6 mil que já passaram por esse acampamento é que o Supremo Tribunal Federal se sensibilize e apoie a nossa causa, com uma decisão favorável à demarcação das terras indígenas do Brasil”, disse o cacique Susssuarana Morubixaba do povo Tupinambá de Olivença, do sul da Bahia.
O cacique Renildo Tupinambá, de Olivença, coordenador do Mupoiba, (Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia) também demonstrou esperança com o resultado do julgamento do STF. “Esperamos que não passe, porque hoje 80% das nossas terras estão nas mãos do nosso povo. E, mesmo passando, a decisão não seja favorável, nós não vamos sair da terra, então, vai haver conflito dentro desses territórios, alertou o cacique Tupinambá.
*Repórter Especial da ANAÍ, de Brasília
Editado por Cláudia Correia (Colaboradora do Correio Nagô)