Home » Manchete » Presidente da Fundação Cultural Palmares toma posse em Brasília

Presidente da Fundação Cultural Palmares toma posse em Brasília

A  jornalista Claudia Correia conversou, com exclusividade para o Correio Nagô, com João Jorge Santos Rodrigues, nomeado no dia 21 de março  para a presidência da Fundação Cultural Palmares.A posse no cargo acontece dia 27 de abril, às 10h, no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Baiano de Salvador, 66 anos, João Jorge é produtor cultural, um dos fundadores do bloco afro Olodum, advogado, egresso da Universidade Católica de Salvador-UCSal, e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Ele integrou oConselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de 2009 até 2016 e dirigiu a  Fundação Gregório de Matos, órgão da gestão cultural da Prefeitura de Salvador, entre 1986 e 1998. É autor do livro “Fala Negão : Um discurso sobre Igualdade” (2021) e filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). 

Numa conversa descontraída, ele revelou os planos para a Palmares e sobre a  preservação da cultura afro brasileira no atual cenário político brasileiro. 

Foto: Yasmin Santana

“A história não é de direita, nem de esquerda, a história é a história e Zumbi faz parte da história”

CC: Existem vários museus com acervos valiosos relacionados à cultura, à religiosidadeafro brasileira e, aqui na Bahia tem o Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, o MUNCAB que passou muito tempo  com dificuldade de recurso e, agora, está retomando suas atividades educativas e, breve, a visitação ao público. Qual é a previsão de uma política da Palmares relacionada a essa área de preservação de acervos, do patrimônio, através desses museus Brasil afora?

JJR: Sugeri à ministra para ela convencer o presidente que nós temos que ter um sistema nacional de museus e centros de memória da herança africana e diáspora. Há um museu aqui importante com Capinan e  várias pessoas, que tem dificuldades enormes, que Gilberto Gil e Juca tentaram ajudar. Há um museu em São Paulo, o museu de Emanoel Araújo, também um museu de cultura afro. E há vários centros de cultura negra digitais e tudo, espalhados no país inteiro.

Qual é a ideia? É criar um sistema similar ao que tem nos museus americanos de cultura africana. Em Sidney tem um museu que tem, em Washington, em vários lugares, mas é um sistema financiado pela iniciativa privada e pelo governo em que os cuidados são os mesmos. Agora, há uma coisa chamada Cais  do Valongo, que é na Pequena África, no Rio de Janeiro e está uma conversa grande para fazer um museu, basicamente de 300 milhões que o BNDES quer dar, mas esse museu daqui vai custar 1 bilhão e meio. Só que ele tem que estar integrado ao MUNCAB, ao museu de Araújo e devem formar cinturões de consciência negra ou de igualdade. Por exemplo, o MUNCAB está no Centro Histórico de Salvador, que tem o Olodum, os Filhos de Gandhy, a Sociedade Protetora dos Desvalidos,  a Sociedade Montepio dos Artistas. Em São Luís é a mesma coisa, o Centro Histórico  é cheio de lugares importantes para memória afro-brasileira.

Então, a ideia é criar um sistema nacional que deve ter no Maranhão, na Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Alagoas, por causa do Parque Nacional de Zumbi, em Pernambuco, e que abra pequenas extensões nos estados em que não tem essa pujança. Mas o principal legado da Palmares é preservar isso. Não é mais criar um museu aqui, outro ali, ou investir 1 bilhão em uma cidade e, para outra, nada. Pelo contrário, é descentralizar esses recursos  e criar um sistema próprio. O acervo precisa ser digitalizado. Vamos procurar aí a Globo, eu já visitei a Fundação Roberto Marinho, vamos procurar o Itaú, o Santander, o Bradesco para um programa de digitalização. E vou procurar o Google e a Apple para nos ajudar nesse processo. Imagine, se a Fundação tem 35 anos, quanto do acervo da Fundação está digitalizado? Quanto do acervo dos terreiros de candomblé está digitalizado? Quanto do acervo do Gandhy, que tem 75 anos, vai fazer, está digitalizado? Do Ilê Aiyê? O Olodum tem um processo mais avançado e tudo porque criou um centro digital de documentação e memória alguns anos atrás. Mas, se você pensar a digitalização do Gandhy, do Ilê, do Axé Opô Afonjá, da Casa Branca você precisa desse pool de empresas para fazer isso. E eu vou começar a sentar, conversar e dizer para o Estado fazer isso, porque esse conhecimento vai ser importante para o planeta, é um conhecimento universal e começa com a própria Palmares tendo sua digitalização interna. Não dá para ter tudo lá empacotado, livros, a biblioteca Oliveira Silveira, que é o nome da biblioteca, cinco mil e poucos livros que o cara ia mandar queimar, aí, o Ministério Público entrou com uma ação para não queimar. Quer dizer, nós vivemos um período que antecedeu a ascensão do nazismo na Alemanha, queimar livros, retirar personalidades, destruir a história. 

E, nesse campo do acervo, a história não é nem de direita nem de esquerda, nem é branca nem é negra, não é indígena , não é de mulher, não é de homem, não é de homossexuais. A história é a história e Zumbi faz parte da história, a Revolta dos Búzios faz parte da história, a Revolta dos Malês faz parte da história, Lampião, Curisco faz parte da história, o beato Antônio Conselheiro faz parte da história.

Então, o que a gente tem que fazer é conviver com essas histórias reais. Não pegar e dizer: “Eu vou esconder Antônio Conselheiro, vou dizer que Lampião foi só um bandido.” A população percebe isso de formas diferentes. A gente vai ter a independência da Bahia por quê? Porque o Brasil se nega, até hoje, a reconhecer a importância do 2 de julho, se nega a reconhecer a importância dos negros. Tem um caboclo lá negro, mas não se fala da Revolta dos Búzios, quantos mortos, esquartejados, que é pai e mãe de 1823. Então, a memória e acervo não estão soltos, vai está conectado com fatos. Nesse 2 de julho agora, a Revolta dos Búzios vai aparecer mais nacionalmente  no  2 de julho.

CC: Como é possível fazer essas temáticas relacionadas à luta pela igualdade racial no Brasil perpassarem por outros órgãos para que não fique isolado num órgão ou num Ministério? Qual é o desafio de fazer isso circular por diversas políticas públicas, com relação ao orçamento, inclusive, que é pulverizado e com relação às prioridades dos outros órgãos?

JJR: Dialogar num plano macro, dialogar com Ministérios, dialogar com órgãos governamentais e dialogar com os estados e municípios. Na Bahia, eu já conversei com Bruno Monteiro, secretário de cultura, e com Pedro Tourinho, secretário de cultura do município. Vamos ter reunião em Brasília para ajustar como vamos fazer. Nos outros estados, eu estou ouvindo a militância social – em São Paulo, no Rio, em Alagoas, no Sergipe, no Pernambuco – para, daí, tirar aquilo que nós vamos fazer, para que a ação seja eficaz. O primeiro recorte é evitar uma ação aqui, outra ali e a dispersão dos recursos.

Então, os programas que a Fundação terão sintonia com a cultura do estado, do município, mas vamos também levar a Fundação para lugares em que a Fundação nunca foi, no Amapá, no Acre, Santa Catarina, um pouco do Paraná e Rio Grande do Sul. A pretensa ideia de que só têm questões negras na Bahia, em São Paulo e Rio vai se diluir um pouco. Quando eu falo que preciso ter recursos para 27 estados, eu estou dizendo que o país é uma Nação, uma Federação e a Fundação Palmares não é baiana, não é de João Jorge, não é do Olodum, não é do Ilê, não é de Cláudia, não é dos militantes do Rio de Janeiro, é da Federação, uma fundação nacional que tem um objetivo bem específico: preservar a cultura afro-brasileira, defender as populações quilombolas e organizar a concessão da terra ancestral que está na mão deles. Então, como são tão poucos objetivos, se o município fizer, se o estado fizer, se as fundações culturais que têm nos estados fizerem, nós vamos avançar muito. Por que avançar muito? Rio de Janeiro tem vários blocos afros, inclusive na Lapa. Eles não têm apoio de nada. Alguém quer tirar eles de lá. Quem quer tirar eles de lá? É a Secretaria de Cultura do estado. Então, eu encontrei com o secretário de cultura do município, nós vamos juntos combinar para mantê-los lá, recuperar os espaços, financiá-los. A Fundação Palmares não vai poder fazer tudo, tem uma demanda reprimida aí de seis anos, desde o governo Temer. E a ideia é de que faça as coisas gradativamente e, no final desse ano, eu já tenha outro olhar para Fundação Cultural Palmares.

scroll to top