Por que manter Feliciano na presidência quando os fundamentalistas têm a maioria dos membros da Comissão de Direitos Humanos?
Após 3 semanas ininterruptas de pauta negativa na mídia, os setores progressistas e ponderados da Câmara não conseguiram convencer o deputado Marco Feliciano a renunciar ao cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos, mesmo com os desgastes na mídia e nas ruas. Como já era previsto, a cultura do compadrio vigente no parlamento não abre a possibilidade de obrigá-lo a sair da função, e uma saída institucional torna-se improvável.
Sobraram as ruas, que deveriam estar desmobilizadas após três semanas de atividades sem sucesso. Acontece que o agente mobilizador é uma situação que, de tão absurda, parece impossível de cair no esquecimento público. Na sétima maior economia do mundo, nem a condução de Renan Calheiros foge a práxis, mas Marco Feliciano quebra o pacto democrático. É como se a chave do galinheiro fosse dado às raposas. E Marco Feliciano, diga-se de passagem, é um ótimo mobilizador da própria oposição. A sua capacidade de produzir fato político surpreenderia Winston Churchill.
Diante desse cenário, a bancada evangélica se viu recuada e começou a atacar. A tática adotada não parece clara à primeira vista. Marco Feliciano começou a repetir que a presidenta Dilma não quer o apoio dos evangélicos em 2014. O tucano João Campos acusou a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, de articular contra os evangélicos. Nas palavras dos membros da bancada evangélica, o PT aparece como fiador da eleição de Feliciano e, ao mesmo tempo, seu principal desestabilizador.
O que estaria por trás das críticas? A imprensa diz que o objetivo da bancada evangélica é garantir o apoio do PT para a permanência de Feliciano. Oficialmente, o PT apóia a indicação de um nome do PSC para a presidência da Comissão, mas não de Feliciano. Dilma já cedeu à chantagem da bancada evangélica na época do kit contra a homofobia.
Mas há algo que escapa ao observador menos atento ou pouco informado. A bancada evangélica possui 14 das 18 cadeiras da Comissão de Direitos Humanos, sendo 8 delas do PSC. No caso de Feliciano ser destituído da presidência, deverá ser substuído pela deputada Antônia Lúcia Câmara (PSC-AM), conhecida por colecionar processos na justiça e ostentar o título de profeta. É aí que surge a dúvida: o que muda com a queda de Feliciano se a bancada evangélica tem maioria absoluta para aprovar ou rejeitar qualquer projeto de seu interesse?
O fundamentalismo tem um projeto de poder com um viés material e outro simbólico. Materialmente, eles ampliaram seu poder para a Comissão de Constituição e Justiça (onde aprovaram um projeto importante recentemente) e na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (onde podem segurar projetos favoráveis a avanços científicos e favorecer as concessões de rádio e TV para igrejas e lideranças evangélicas). Mas as conquistas simbólicas dos evangélicos são muito mais importantes. Os evangélicos querem garantir as condições ideológicas para o crescimento de seu negócio e do seu domínio público. Instrumentalizam nomes públicos e dispostos a se expor, como Marco Feliciano, João Campos, Silas Malafaia e Marisa Lobo, para propagar um discurso que é cada vez mais repetido por uma parcera reacionária da sociedade, não necessariamente evangélica. É aquele discurso que criminaliza os movimentos sociais e advoga o “direito” ou a “liberdade de expressar” opiniões homofóbicas e racistas, dentre outros argumentes igualmente medíocres.
Do ponto de vista dos setores progressistas, a eleição de Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara representa um recuo da agenda de direitos humanos cujas consequências ainda não é possível dimensionar. As declarações de Marco Feliciano, se assimiladas no cotidiano do senso comum, vai resvalar em retrocesso na liberdade de expressão da diversidade – especialmente sexual –, recuo da defesa pública de conquistas de negros e mulheres e aumento dos casos de agressão e assassinatos. O último desses fenômenos já vem ocorrendo. O recrudescimento dos casos de homofobia ocorre há pelo menos dois anos e os ataques gratuitos a negros já chamam a atenção. E embora o extermínio continuado da juventude negra continue sendo o foco mais grave para o movimento negro, há ocorrências que indicam aproximação ideológica entre os grupos de extermínio e o discurso nazista. Destaque para o assassinato de 20 pessoas em situação de rua em janeiro, na cidade de Goiânia. Certamente, a intolerância está mais organizada, ousada e atuante.
Portanto, o simbolismo da permanência de Feliciano à frente da Comissão é mais importante do que o aspecto material, para a bancada evangélica e para os setores progressistas. Mas isso não quer dizer que o movimento social deva focar unicamente na destituição de Feliciano. É preciso também focar no Congresso Nacional, e em especial nos partidos que ajudaram o PSC a se fortalecer na Comissão.
Das 8 vagas que possui, 4 foram cedidas pelo PMDB, uma “gentileza” provável do líder do partido, Eduardo Cunha, evangélico e autor de um projeto contra a “heterofobia”. O PSDB cedeu 2 de suas 4 vagas, sendo uma terceira restante ocupada pelo deputado tucano João Campos, o da “cura gay”. Ainda o PP e o PTB cederam a vaga que cada um tinha, totalizando nada menos do que 8 assentos cedidos, incluindo do presidente e da vice-presidenta da comissão. Outros partidos cederam suas vagas à bancada evangélica ou indicaram parlamentares da bancada para a Comissão. Além dos visíveis PSC e do sempre culpado PT, é preciso responsabilidar nominalmente o PMDB e o PSDB para garantir uma maior efetividade das mobilizações.
Mais importante ainda é conquistar a mobilização social para além do imediatismo e da exceção. É preciso construir um pacto político entre os movimentos sociais e defender uma pauta unificada. A rejeição ao PSC e a proposta de defender candidaturas progressistas são bons começos, mas é preciso e possível ir além. É preciso defender (1) uma Reforma Eleitoral que liberte as campanhas do poder economico, (2) a laicidade do Estado e (3) a democratização da mídia – tanto da imprensa reacionária quanto das concessões públicas à serviço da propaganda religiosa.