15/12/2017 | às 20h30
Quesito racial nos Censos ainda é uma luta a ser travada pelas comunidades negras das Américas
Enquanto o Brasil enfrenta questões relacionadas aos desdobramentos da adoção de ações afirmativas em seleções para universidades e concursos públicos (como fraudes e questionamento à autodeclaração), as comunidades negras dos países da América Latina lutam pelo direito ao reconhecimento do contingente populacional pelos órgãos oficiais. A garantia do quesito raça/cor/etnia nos censos nacionais é uma batalha travada por organizações negras em nações como Chile, Peru e Colômbia.
- Infografia/Portal Correio Nagô.
“Se não nos declaramos não somos contados. Se não somos contados não garantimos políticas públicas para reverter as desigualdades em que vivemos”, alerta Juan David Quiñones, estudante de Ciências Políticas da Universidade dell Vale, em Cali, Colômbia. A cidade, que concentra a maior população de afrocolombianos, sediou entre os dias 27 e 30 de novembro o Tercer Coloquio Internacional Afrodescendentes, reunindo representantes das diásporas negras, como Estados Unidos, países do Caribe, povos sul-americanos, incluindo o Brasil.
O portal Correio Nagô participou do encontro como convidado da organização Amigos da Unesco, realizadora do Colóquio.
- FOTO: Donminique Azevedo
Autodeclaração
Os dados oficiais informam que a Colômbia possui mais de 4 milhões de afrocolombianos. Contudo, os movimentos negros organizados no país questionam as formas de contagem e estimam que este número seja três vezes mais, ou seja, seriam mais de 12 milhões de negros no país, o que faz da Colômbia a segunda maior população afrodescendente da América Latina (atrás apenas do Brasil).
“No último Censo realizado em 2005 havia uma confusão de categorias como mestiços, mulatos, afrocolombianos, indígenadescendentes entre outras categorias o que não contribuía para a autodeclaração”, reclama Juan Quiñones. “Ainda havia a possibilidade de se declarar ‘sem pertencimento étnico’”, completa o estudante.
A proposta do governo da Colombia para o Censo de 2018 ainda não atende às reivindicações das organizações negras, que gostariam de menos categorias e mais objetividade no questionamento. Diferente disso, está previsto que a comunidade negra seja dividida entre quatro opções: negros, afrocolombianos, palenques, que podem ser associados às comunidades de remanescentes de quilombos do Brasil e raizales, comunidades anglo-africanas que habitam os arquipélago de San Andrés, Providencia e Santa Catalina e possuem um idioma próprio resultante da mistura do inglês, criolo e castelhano.
“Vivemos uma realidade de pouca autodeclaração e precisamos aprofundar o conhecimento das pessoas sobre a importância do seu pertencimento étnico para a cobrança dos seus direitos. Daí a importância de uma maior divulgação sobre o Censo”, afirma a ativista Emilia Eneyda Valencia Murrain, da Associação de Mulheres Afrocolombianas, que atua no empreendedorismo cultural e no empoderamento estético dos afrocolombianos, especialmente em Chocó, região do Pacífico colombiano que concentra uma grande população negra. “A estética é política. A aceitação da sua identidade e a afirmação da sua estética é uma forma de posicionamento e de resistência”, afirma.
Compartilhamentos
Durante o Tercer Coloquio Internacional de Afrodescendientes houve a troca de experiências das comunidades negras americanas, em diversos aspectos, como a diversidade de contagem populacional nos Censos, desde a total invisibilidade em países como Chile onde há uma grande mobilização para a inclusão deste quesito (veja vídeo abaixo), até a experiência da sociedade norteamericana, muito mais objetiva nesta questão.
“Para nós é mais fácil. Não temos ilusões. Nos Estados Unidos são brancos e negros e pronto. Recentemente foi criada uma estranha categoria de falantes de espanhol, mais uma invenção colonial”, explica a antropóloga Sheila Walker. Pesquisadora das diásporas negras, Walker destacou a importância dessas informações compartilhadas. “Precisamos conhecer os outros para nos conhecermos. Somente o conhecimento das semelhanças culturais entre as diásporas negras nos possibilita o entendimento do que nós somos como povo”, conclui.
- Juan David atua na Revista Matamba, em Cali, Colômbia. FOTO: Donminique Azevedo
Para saber mais sobre a forte presença negra na Colômbia, acompanhe a Revista Matamba, iniciativa de um coletivo de jovens do qual faz parte Juan David Quiñones: https://www.matambarevista.com/
Campanha de inclusão dos afrochilenos no Censo 2017
André Luís Santana é jornalista, diretor de comunicação do Instituto Mídia Étnica e coordenador do Portal Correio Nagô.