O líder quilombola Flávio Gabriel Pacifico dos Santos, 36 anos, conhecido como “Binho do Quilombo”, foi assassinado na manhã desta terça-feira (19). no distrito de Pitanga de Palmares onde residia, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). O sepultamento será no Cemitério Ordem 3ª de São Francisco, em Salvador. O horário ainda não foi informado pela família.
As primeiras informações sobre o crime dão conta que por volta das 9h, homens não identificados a bordo de um veículo branco chegaram e dispararam vários vezes contra Binho, em frente à Escola Municipal Nova Esperança, na própria comunidade. O líder quilombola estava dentro do próprio carro a caminho de um sepultamento.
Comunidades quilombolas e militantes do movimento negro lamentaram o ocorrido e demonstraram preocupação com outros assassinatos.
Filho da Yalorixá e ex-secretária da Promoção da Igualdade Racial do município de Simões Filho, Maria Bernadete Pacífico – também militante na luta pela valorização das comunidades negras e menos favorecidas – Binho militava em prol dos direitos dos povos remanescentes quilombolas, inclusive contra a instalação do aterro sanitário em Simões Filho pela empresa Naturelle.
“O que mais vamos esperar para proteger as demais lideranças ameaçadas?”, questionou a ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, Vilma Reis.
De a janeiro a agosto deste ano, 13 moradores de comunidades remanescentes de quilombos foram assassinados no Brasil. Os dados são da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Seis dos 13 mortos – até agosto – eram lideres que atuavam em conflitos agrários.
Em off, uma líder quilombola baiana demonstrou preocupação com a vida dos militantes quilombolas ameaçados de morte.
Em nota, a Yalorixá Jaciara Ribeiro expressou pesar: “(…) Os conflitos de terra no Brasil tem origem colonial: um dos meios de excluir a população negra e lhe ceifar a dignidade foi negar-lhe terra pra viver e produzir seu auto-sustento, portanto,foi uma da vias de implantar o nosso genocídio. Essa prática secular permanece tirando nossas vidas com tiros, facas ou canetadas, quando não pelo próprio Estado, com a sua permissão silenciosa”.
GENOCÍDIO DO POVO NEGRO
De acordo com Atlas da Violência 2017, a população negra, jovem e de baixa escolaridade continua totalizando a maior parte das vítimas de homicídios no país. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.
Os dados apontam para o genocídio da população negra. Como alerta o professor de Direito da Universidade Federal da Bahia, Samuel Vida, “o genocídio do negro no Brasil é um fenômeno histórico que constitui a base política e institucional da sociedade e do Estado, assegurando o sucesso do apartheid brasileiro”. Chamando a atenção para importância moral e política da denúncia de cada caso, Samuel considera que “é preciso transformar está agenda numa questão central para a sociedade e as instituições brasileiras. Este é o principal desafio posto ao Movimento Negro, nesta conjuntura”.
“Sob a falácia de estereótipos referentes à suposta violência e suspeição de envolvimento com práticas criminosas, maximizada pela construção midiática da justificativa de “guerra às drogas”, mata-se numa escala de guerra, através das agências estatais e privadas de repressão e controle social. Para perpetuar a apropriação desigual de recursos e oportunidades, mantém-se incólume uma sólida aliança intrarracial entre os brancos, que ultrapassa todas as distinções políticas, ideológicas, partidárias, de classe, de gênero, religiosas, sexuais ou regionais, bem como sobrevive aos diferentes arranjos governamentais experimentados na vida política das esferas do poder político. A este respeito, veja-se o exemplo da explosão dos índices de genocídio do negro durante os governos pretensamente progressistas do PT. Na mesma direção aponta a política de segurança pública genocida adotada pelo governo petista na Bahia. Por outro lado, a incidência racializada da violência letal isola a reação de contestação destas mortes ao espaço social e simbólico das margens, fora das esferas de representação política e social com maior capacidade de repercussão pública, a exemplo da representação política, da mídia e da academia. Aqui, verifica-se uma duplicação da vitimização pelo silenciamento que legitima as versões criminalizantes, responsabilizando cinicamente as vítimas e reforçando as engrenagens da perversa máquina de matar negros que atua na sociedade brasileira. Isto explica por que, apesar da proporção dramática do genocídio do negro, este fenômeno não é considerado um problema central para o país e sua pretensão de democratização”, considera Samuel Vida.
Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.