Os dados do Sistema de Informação do Ministério da Saúde (SIM-MS), publicados na edição nº. 124 (janeiro/2013) da revista RADIS – Comunicação e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz, revelam como o preconceito sofrido pela população negra brasileira em diversos setores, também atinge o serviço de saúde. Além de apresentar os piores indicadores socioeconômicos do país, negros e negras são os que mais morrem por causas evitáveis, como a violência, além de serem os mais vulneráveis a mortandade materna e neonatal e a doenças circulatórias.
Esses números apresentam o quadro de discriminação racial desde o atendimento básico até os casos de homicídios. Por exemplo: 75,7% das gestantes brancas passam por sete ou mais consultas pré-natal, durante a gestação. Entre as mães negras esse número não passa de 54,5%. Em 2010, 52.260 pessoas morreram vítimas de homicídio no Brasil, 67% eram negros ou pardos. 70% dos jovens (de 15 a 29 anos) vítimas de homicídio eram negros. Atualmente, 12.190 jovens negros são assassinados a mais que jovens brancos.
Os avanços na saúde não têm eliminado essa lógica de desigualdade e preconceito. Só para se ter uma idéia, entre 1982 e 2004, houve a redução da taxa de mortalidade de filhos de mães brancas em 47% (de 30 por mil nascidos para 14 por mil). Já entre os filhos de mães negras essa redução foi de apenas 11% (de 53 por mil nascidos vivos para 30 por mil).
Gestão – Mesmo assim, ainda é difícil que gestores e profissionais de saúde reconheçam o racismo como determinante no agravamento da vulnerabilidade de saúde da população negra. E que o aspecto racial seja um conceito norteador na elaboração de políticas públicas. “Enfrentar o racismo é o grande desafio do Sistema Único de Saúde – SUS. O censo comum de que o atendimento deve ser universal, sem observar aspectos como raça e gênero, é uma visão tacanha, é burrice. Universal é a união das pluralidades, é saber que há negros, brancos, mulheres, homens, crianças, idosos, índios, moradores de favela, do interior etc. O gestor de saúde que não entende esses aspectos está lendo o conceito de universal com a lente do racismo”, afirma a médica carioca, Jurema Werneck, titular do Conselho Nacional de Saúde e coordenadora da Criola, organização social de defesa das mulheres negras.
Uma das precursoras nas pesquisas sobre saúde da população negra no Brasil, a Doutora em Saúde Pública, Maria Inês Barbosa, concorda que é preciso entender saúde não apenas pelo aspecto biológico, mas também pelo impacto das dimensões socioculturais no indivíduo. “O racismo determina os níveis de acesso à educação, ao trabalho e também à saúde. As relações raciais são determinantes no processo saúde-doença. A leitura que não contempla esse aspecto não abarca todas as dimensões da saúde e não responderá a todas as perguntas necessárias”, enfatiza. Para a pesquisadora, o desafio é fazer com que os gestores, que se acham parte da solução, se sintam parte do problema. “Sem esse reconhecimento não há mudanças fundamentais”, adverte.
Mortes – Jurema Werneck chama atenção para os números que revelam a prevalência da morte de homens e mulheres negras em todas as idades, não sendo somente na faixa dos jovens negros, que são os que mais morrem por violência: as mulheres negras também são as que mais morrem no parto, os homens negros adultos as maiores vítimas de acidentes, os idosos negros que morrem por doenças crônicas e as crianças negras por causas evitáveis, como desnutrição, diarréia e miséria. “A razão é política, não há justificativa técnica. Enquanto houver racismo, ele será um agravante na vulnerabilidade de saúde da população negra”, denuncia Jurema Werneck.
A professora Doutora Maria Inês Barbosa reforça a necessidade do tema saúde ser debatido pelos diversos movimentos sociais. “Esse não é um debate somente dos ativistas negros do campo da saúde. Temos que dominar esse debate, colocar nele os nossos melhores quadros, tanto técnico, como político. A população não sabe que tem direito, e não saber é o mesmo que não ter. Quando uma mãe souber que saúde é um direito dela e um dever do Estado, e não um favor, ela não deixará que ninguém usurpe esse seu direito.
As ativistas defendem que esse debate deve ser travado na gestão do Sistema Único de Saúde e no serviço público de atendimento, já que os planos de saúde não demonstram compromisso com as desigualdades raciais. “A forma como a saúde é feita e pensada é muito distante das nossas necessidades diárias e das visões de saúde que temos. Muito ancorada na doença. Somos os últimos a serem ouvidos e atendidos. Temos um desafio de fazer as pazes com o SUS. Não há solução fora da política pública”, adverte Jurema Werneck.
A ampliação do debate nacional da saúde da população negra tem sido garantida pela atuação de ativistas no Conselho Nacional de Saúde. Desde 2006, o movimento negro tem sido representado por especialistas como a Doutora Fernanda Lopes, atual representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas / Unfpa, e Jurema Werneck, que foi a coordenadora geral da última Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2011. O relatório final da 14º Conferência pode ser baixado no endereço: http://www.conselho.saude.gov.br/14cns/docs/Relatorio_final.pdf
Texto: André Santana
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