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Relator do “mensalão” busca superar falso dilema

O papel de relator no caso do “mensalão” recaiu sob o primeiro e único afrodescendente a integrar o Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1937 ( – a história da instituição, criada com a República, dá conta de outros dois ministros ‘mulatos’: Pedro Lessa e Hermenegildo Rodrigues de Barros, nomeados em 1907 e em 1919, respectivamente). E a partir de agora, seja qual for a avaliação do relator Joaquim Barbosa terá que superar um falso dilema que muitos outros negros enfrentam no dia a dia: ser tachado de subserviente ou fantoche. E assim ter seus méritos e convicções colocados em segundo plano.

Não bastasse os graves problemas de saúde, durante a sessão que iniciou a exposição da relatoria, Joaquim Barbosa admitiu ao presidente Ayres de Britto: “Carrego há sete anos nas costas o peso desse processo”. Ao final, a Casa pode encaminhar por uma condenação que aponte para um esquema de corrupção em que entre os 38 réus estão as principais lideranças do primeiro governo do presidente que o indicou ao STF, Lula. Se assim for, pode ser o respiro para setores historicamente conservadores e opositores não só do legado de Lula, mas também ao próprio Joaquim Barbosa, que teve sua indicação permeada pela lógica das políticas afirmativas.

Por enquanto a toga preta derramada nas costas, a superação da dor nas longas sessões, a postura sisuda e os relatos rígidos, têm demonstrado que Barbosa não teme, nem deve favores a ninguém, agindo sob suas próprias convicções e méritos, independente dos beneficiados ou prejudicados politicamente, fugindo de um falso dilema.

 

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Trajetória

 

Nascido na mineira Paracatu, filho de um pedreiro com uma dona de casa, Barbosa trabalhou como digitador para manter os estudos da UNB. Seguiu carreira acadêmica com mestrado e doutorado na Universidade de Paris-II, ingressou como professor concursado da UFRJ, além de ter sido visitante na Universidade Columbia e Los Angeles School of Law. Mas a carreira de Joaquim, antes do STF, é marcada pela passagem como Procurador no Ministério Público Federal (MPF), função especializada em abrir processos ao ser demandado pela sociedade.

 

Mesmo sob posse desses atributos, Joaquim Barbosa dificilmente iria ingressar na Corte. Não por incompetência, mas por estar distante dos núcleos tradicionais e conservadores de juristas brasileiros. Ainda assim fora escolhido por Lula em 2003 ao lado de Ayres de Britto e Cezar Peluso. Nos casos de Britto e Barbosa, foram utilizados critérios inéditos na Casa: o primeiro, ligado historicamente ao PT, por ser nordestino, e o segundo por ser autodeclarado negro. Porém só Barbosa viria a ser questionado quanto aos méritos.

 

Confrontos

 

A partir de então deu início a passagem de um dos ministros mais polêmicos no STF. O relacionamento tenso com os pares é uma de suas marcas, e pode fragilizar suas avaliações no “mensalão”. Barbosa chegou a explicitar ser vitima de racismo na Corte, e tem como principal antagonista Gilmar Mendes, a quem acusou durante uma sessão estar “destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”, e o tratar como se fosse “seus capangas”.

 

Após esse episódio, Joaquim Barbosa passou a ser ainda mais aclamado por populares, e também atacado por colunistas e editoriais dos principais jornais do Brasil, entre os quais a Folha de São Paulo (FSP) que o classificou como pessoa sem “compostura” e de utilizar “linguagem desabriada”, mesmo tendo o próprio Gilmar Mendes admitindo que discussões até mais ásperas eram corriqueiras no STF. O ministro Barbosa também foi alvo de uma ofensiva que questionou a veracidade da sua doença, e a validades das licenças retiradas por esse motivo. Ao ponto do jornal Estadão publicar reportagem que relatava visitas de Joaquim a festas e bares enquanto estava fora das atividades funcionais.

 

A conotação editorial positiva dos principais veículos à atuação de Joaquim Barbosa só se tornou perceptível quando o assunto é o “mensalão”, e até o momento seus relatos foram duros sob os acusados. Agora é esperar se até o final do relato serão mantidas as mesmas impressões. Durante entrevista a colunista Mônica Bergamo da FSP, ele reproduziu que avisa aos repórteres estar muito mais preocupado com o mensalão de Minas Gerais, que envolve o PSDB, e tem maior risco de prescrição. Ainda assim, nenhum deles pergunta sobre o tema, e respondem apenas com “sorrisos amarelos”: “A imprensa nunca deu bola para o ‘mensalão mineiro'”, alega Joaquim Barbosa.

 

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