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Rio Vermelho em Alerta: onda de violência mobiliza reação da sociedade

rio vermelho

“O Rio Vermelho está sangrando”. Confesso que quando recebi pelo facebook a convocação, iniciada com essa frase, para a caminhada de protesto contra a agressão ocorrida no bairro, que levou à morte de Leonardo Moura, foi como se uma última ficha estivesse caindo. Constatei definitivamente que o território libertário e acolhedor, amado e frequentado por toda a cidade, está vivendo uma dura realidade, considerando os fatos assustadores que aconteceram na semana passada. Chamaram atenção não somente pela violência, mas também pelo perfil das vítimas, homens e mulheres que fazem parte das tribos que tradicionalmente caracterizaram o Rio Vermelho como o “bairro boêmio de Salvador”.

Moro por aqui há 34 anos, mas vivo o bairro desde meus tempos de juventude. Frequentei o Barril Vermelho, o Trambar, o Mercado do Peixe quando era localizado no centro do Largo da Mariquita, o bar Zeca do Pepino, o Blefe e outros pontos de encontro fenomenais, onde pluralidade, diversidade e cortesia sempre foram fortes ingredientes na formação de uma liga que definiu a “cara” do território, uma espécie de salão de festas da cidade, onde diversão pouca era bobagem.

Mas, como disse o poeta Caetano, “alguma coisa está fora da ordem”, as “diversas harmonias bonitas” até pouco tempo possíveis por aqui parecem estar indo para o brejo. O Rio Vermelho nunca foi uma ilha de segurança pública, volta e meia ouvíamos falar ou tomávamos conhecimento através da mídia sobre ações delituosas diversas praticadas por marginais, mas nada muito diferente do que acontecia em outros bairros, tudo na “normalidade” das estatísticas perversas da violência que atinge todo o país.

O primeiro choque recente foi a agressão sofrida por Aiace, vocalista do grupo Sertanília, quando ela defendeu a irmã de assédio praticado por um motorista de taxi nas imediações do Commons Studio Bar, próximo ao Largo da Mariquita. Mulher, negra, independente, caminhando na madrugada com a irmã e uma amiga, foi vista como alvo fácil por um machista que certamente acha que toda mulher deve ser “bela, recatada e do lar”, sem o direito de ir e vir pelas ruas no horário que lhe aprouver. Andando por ali, ele deve ter pensado: ‘queriam alguma coisa’. Deu no que deu, foi espancada em função da resistência ao abuso sofrido. Aplausos para a atitude corajosa dela, que denunciou o fato e tomou as providências cabíveis. Defini a agressão como choque também pelo meu envolvimento pessoal no caso, porque conheço Aiace desde criança, nossa relação é de quase parentesco, senti a violência entrando pela porta da minha casa.

Depois, conforme noticiado pela imprensa, vieram os ataques a Marte Ventura, vocalista da banda Urbano Elétrico, ao lado da quadra esportiva da Paciência, espancado por marginais coincidentemente quando também estava numa relação de ajuda a uma pessoa que passava por problemas. E o acontecimento mais trágico de todos, a morte absurda do jovem estudante e produtor de eventos Leonardo Moura, encontrado ferido nas imediações do Restaurante Sukiyaki. Ainda segundo os meios de comunicação, Leonardo, que era homossexual, pode ter sido vítima de “um crime de ódio, motivado por homofobia”. Fechando o ciclo de horrores da semana, o ciclista Tiago Cordeiro foi atingido com uma paulada desferida por um ladrão nas proximidades da boate Pink Elephant, na Rua João Gomes, quando teve sua bicicleta roubada e, como herança, ossos fraturados na face.

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Vítimas da violência: Aiace Félix, Leonardo Moura, Tiago Cordeiro e Marte Ventura (em sentido horário)

 

O que está a acontecer com o Rio Vermelho? Será que por ser frequentado por um público mais descolado, onde gays, mulheres independentes, artistas em geral, esportistas e alternativos de todos os naipes circulam livremente, o bairro está se tornando um território preferencial de ataques por parte de conservadores, intolerantes, homofóbicos, machistas e outras pragas que andam ultimamente proliferando na nossa sociedade? Ou os ataques concentrados foram uma coincidência nefasta, resultante da deterioração social que se reflete na insegurança pública de forma geral?

Independentemente do tipo de resposta, é necessário um posicionamento nosso, moradores do Rio Vermelho e sociedade soteropolitana de modo geral, repelindo veementemente quaisquer tipos de preconceitos e intolerâncias contra pessoas ou instituições, sejam referentes a cor, gênero, orientação sexual, opção religiosa, preferência política e coisas que tais, denunciando e tomando as providências necessárias sempre que formos confrontados com situações adversas. Cobrar fortemente das autoridades competentes uma segurança pública planejada e eficaz, capaz de inibir a ação de marginais no território, é outro caminho para evitar o aparecimento de outros Leonardos, Aiaces, Martes e Tiagos. É preciso estancar urgentemente o “sangramento” do nosso bairro, para que a simpática denominação de “bairro boêmio da cidade” não seja substituída pela pecha de “território da violência e intolerância da orla de Salvador”.

Dilton Machado é economista, consultor e morador do bairro do Rio Vermelho. Especial para o Correio Nagô

 

Mobilização no dia 15 de julho, às 18h, em frente a San Sebastian. Veja a convocatório.cartaz Rio Vermelho

 

 

 

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