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Roteirista baiano lança HQ “O Quarto ao Lado”

marcelo limaRedação Correio Nagô* – Amanhã, quarta-feira (9), será lançado em Salvador a HQ “O Quarto ao Lado”, do roteirista baiano Marcelo Lima. Com três histórias em quadrinhos e um conto ambientados em cidades baianas, a publicação mostra narrativas onde há uma tensão entre a intimidade e a estranheza que se costuma sentir durante os momentos de descoberta sexual e afetiva, principalmente quando os envolvidos possuem diferentes vivências de sua sexualidade e desejo.

Em entrevista ao Portal Correio Nagô, o roteirista, que é graduando em Comunicação Social (Jornalismo) pela Ufba, conta como foi produzir as 104 páginas de “O Quarto ao Lado”, as dificuldades enfrentadas e opina que “muitos quadrinhistas brasileiros são tímidos com temas LGBTs”.

A HQ tem como desenhista principal o ilustrador André Leal, com participações de Daiane Oliveira e Bruno Marcello, além de arte para a capa feita por João Oliveira. O lançamento será realizado na Livraria Cultura, no Salvador Shopping, às 19h. A publicação é patrocinada pelo Fundo de Cultura da Bahia e foi selecionada no Edital de Culturas LGBT.

Confira a entrevista:

Portal Correio Nagô – Como surgiu a ideia de fazer a HQ?

Marcelo Lima – Surgiu do meu interesse em fazer uma HQ. Já era fã de quadrinhos há bastante tempo e queria trabalhar profissionalmente escrevendo álbuns de quadrinhos. À procura de temas, pintou a ideia de trabalhar com sexualidade, uma vez que estava me aprofundando no assunto no grupo de pesquisa sobre Cultura e Sexualidade (CuS) (da Universidade Federal da Bahia). Juntei muito das ideias discutidas pra elaborar o argumento e me estimulou a minha vivência e dos amigos naquele momento em que tínhamos acabado de entrar na vida adulta.

 

PCN“As narrativas mostram a tensão entre a intimidade e a estranheza que se sente durante todos os momentos de descoberta sexual e afetiva, principalmente quando os envolvidos possuem diferentes vivências de sua sexualidade e desejo”. Quais seriam estas diferentes vivências? Porque elas foram escolhidas para compor as histórias?

ML – São vivências heterogêneas que passam distante da ideia de um conceito bem definido sobre sexualidade. Neste caso, dando um exemplo, engloba tanto o heterossexual tido como ‘padrão’ de comportamento e relacionamento até aquele heterossexual que se relaciona com pessoas do mesmo sexo às escondidas, mas que não deixa de ter uma vivência plena de sua heterossexualidade. São ideias mais complexas em relação a desejo e sexualidade do que imaginar que existem grupos de heteros, grupos de gays, grupos de bis – como se cada um estivesse em seu canto. Há muitos indivíduos cruzando essas linhas e se relacionando – nem sempre sexualmente – de modos interessantes. Na verdade, creio que muitos de nós vivemos mais próximos dessa tensão do que é admitido. A escolha dessas vivências tem a ver com o tema da descoberta mesmo. São esses indivíduos que melhor representam essa busca e imagino que muitas pessoas podem se identificar com os tipos apresentados.

PCN – Em quais cidades baianas se passam as histórias? E porque a escolha delas?

ML – Feira de Santana, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus e Salvador. São cidades que me são muito importantes sentimentalmente. Me divido entre Feira e Salvador, quanto à moradia e trabalho, e Santo Antonio é uma cidade que visitei com frequência para ver familiares. Conheço pouco de Santo Amaro, mas achei que seria uma boa cidade natal para as personagens principais. Quanto à escolha de contar a maior parte da narrativa em Feira, tem a ver com a vontade de representar minha cidade natal nas histórias. Uma atitude de reverência mesmo e vontade de mostrar o interior da Bahia nas HQs.

capa hq quarto ao lado

PCN – O Quarto ao Lado é um livro de ficção patrocinado pelo Fundo de Cultura da Bahia (Secretaria de Cultura do Estado da Bahia + Fundação Pedro Calmon), selecionado no Edital de Culturas LGBT. Quais as dificuldades de se produzir este tipo de material em Salvador?

ML – A dificuldade é o financiamento. Fazer quadrinhos não é simples, exige uma equipe de pelo menos quatro pessoas para escrever o roteiro, desenhar, arte-finalizar e diagramar a edição (embora há artistas que acumulem funções, o que faz o tempo de produção aumentar bastante). Portanto, é preciso de dinheiro para pagamento destes profissionais e nesse sentido o edital ajuda bastante. Mas, infelizmente, não temos, ainda, editais específicos para quadrinhos, o que seria ideal. Um livro de HQ custa mais caro que um livro de literatura – uma vez que envolve texto + desenho + impressão – mas muitas vezes ficamos limitados aos valores-limite dos editais de literatura. Sem ajuda pública é quase impossível desenvolver quadrinhos em Salvador.

PCN – Não é comum se ver muitas HQs sobre temas LGBT…

ML – Na produção nacional não é mesmo. Aqui na Bahia tivemos uma HQ há pouco tempo, “Igual a tudo na vida”, de Luís Augusto, criador do “Fala Menino”. Além desta, não conheço mais nenhuma de Salvador. Gosto muito de HQs que contenham passagens sobre esses temas como Estranhos no Paraíso, Lost Girls, Love and Rockets, os livros de Ralf König, Fun Home, a produção de Laerte, Dahmer e outros cartunistas brasileiros. Infelizmente, a maioria do material é estrangeiro e muitos quadrinhistas brasileiros são tímidos com temas LGBTs.

PCN – Inicialmente, as histórias parecem convergir para sexualidades LGBT. Há algum receio de que atinja apenas um público específico (O LGBT)?

ML – Não e ficarei feliz com o público que vier a ser atingido. Divulguei com a intenção de abarcar todo tipo de público, até porque, apesar da temática LGBT, essa é uma história que não prioriza a ideia de uma leitura LGBT ou uma leitura gay. O leitor pretendido não tem uma sexualidade definida, é uma HQ que pode ser lida por todas e todos. A única característica que se espera do leitor é abertura com o material, que não seja intolerante ou homofóbico.

PCN – Sofreu algum tipo de preconceito/discriminação por se tratar também de um tema LGBT quando estava produzindo o material?

ML – De modo algum. Sempre tive muito apoio desde o começo.

PCN – Como participar de um grupo de pesquisa sobre cultura e sexualidade ajudou na concepção da HQ?

ML – Ajudou com o aprofundamento nas temáticas de desejo e sexualidade. Foi lá que comecei a conceber a ideia de uma sexualidade que não é 100% definida, mas em constante construção e descoberta. Não somente nessas experiências mais transformadoras, como também na própria prática sexual com seu cônjuge. Há muitas questões identitárias que surgiram no grupo de pesquisa que ajudaram a fomentar questões das personagens da história. Além disso, os próprios membros do grupo forneceram material narrativo interessante, ao contar sobre suas vidas e experiências. Tentei colar desde aspectos teóricos a vivências reais na HQ, então o grupo me ajudou muito.

*Por Anderson Sotero

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