Redação Correio Nagô* – Ainda durante o curso de graduação, o sociólogo Tulio Augusto Samuel Custódio se interessou pela vida e obra de alguns intelectuais negros brasileiros. Foi este o ponto de partida para que Custódio pesquisasse alguns momentos da trajetória do artista, intelectual, ativista social e defensor da cultura negra Abdias Nascimento.
“Procurei analisar e entender o impacto do ‘auto-exílio’ de Abdias do Nascimento nos Estados Unidos, entre 1968 e 1981, em sua trajetória política e na luta contra a discriminação racial”, contou à Agência USP de Notícias o sociólogo que estudou o tema em sua dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Segundo Custódio, a importância de Nascimento vem desde a década de 1940, quando ele fundou a Companhia Teatro Experimental do Negro. “Já naquela época suas ideias e posições estavam no cerne das questões raciais”, avaliou.
No entanto, após o retorno dos EUA o sociólogo destacou que as mudanças na postura do intelectual ficaram evidentes. A ida de Abdias Nascimento àquele país ocorreu com um convite da Fairfield Foundation, entidade norte-americana responsável por projetos culturais. “Uma visita que era para durar dois meses, acabou durando 13 anos”, lembrou.
Denúncias – Ainda de acordo com Custódio, durante o período que ficou nos EUA, Abdias teve acesso a pessoas e pensamentos que o levaram a refletir acerca da situação racial no Brasil. “Algumas pessoas criticaram o fato de ele permanecer no exterior, sendo que o período de sua visita coincidiu com a repressão. Além disso, ele já tinha ficha na polícia”, contou o pesquisador.
Lá, o intelectual foi convidado a ministrar cursos em diversas universidades, permanecendo como professor titular na Universidade Estadual de New York, em Buffalo (Suny). “Lá também expôs trabalhos de artes plásticas. Afinal, ele foi recebido como artista”, acrescentou Custódio. As oportunidades aliadas à repressão ocorrida no Brasil fizeram com que ele se fixasse nos EUA.
Apesar de estar em território diferente, a partir de meados da década de 1970, Abdias ainda foi perseguido de forma mais declarada pelo então governo brasileiro. “Esta repressão ficou evidente em 1975, quando o consulado brasileiro em Washington decidiu apreender seu passaporte”, lembrou o pesquisador. Contudo, de acordo com o sociólogo, esta e outras medidas não tiveram o apoio do governo norte-americano.
Em Lagos, na Nigéria, em 1977, ocorreu outro episódio durante um Festival de Artes e Culturas Negras. Abdias quase foi impedido pelo corpo diplomático brasileiro de fazer a sua exposição. “Vale lembrar que ele se inscreveu pela delegação norte-americana”, ressaltou o sociólogo.
“Ele conseguiu apresentar seu colóquio graças ao apoio de intelectuais africanos e norte-americanos ali presente e da mídia local. Como sempre, denunciando ao mundo que a ‘democracia racial’ no Brasil nada mais era do que uma estratégia de embranquecimento cultural do negro”.
Em sua pesquisa, que envolveu além de entrevistas pessoais, análise de documentos e obras de Abdias, o sociólogo constatou que o intelectual absorveu de maneira própria conceitos como “diáspora” (fenômeno sociocultural e histórico que ocorreu em países além da África devido à imigração forçada) e “panafricanismo” (ideologia política e cultural que propõe a união de todos os povos de origem africana).
O retorno – Ao voltar para o Brasil, Abdias do Nascimento fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Foi também para a carreira política, participando da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
“Aliás, ele foi o primeiro a assumir cargo de uma Secretaria com foco na luta contra discriminação racial, a Seafro (Secretaria de Defesa e Promoção da População Afro-Brasileira), sendo convidado pelo então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, em 1991”, complementou Custódio.
Para o sociólogo, três obras são fundamentais para se compreender a trajetória do intelectual: O Genocídio do Negro brasileiro, de 1978, O Quilombismo, de 1980, e Sitiado em Lagos, de 1981. A pesquisa Construindo o (auto) exílio: trajetória de Abdias do Nascimento nos Estados Unidos, 1968-1981, foi orientada pela professora doutora Marcia Regina de Lima Silva.
*Com informações da Agência USP de Notícias