Desde muito nova minha mãe sempre me disse que por eu ser mulher e negra precisava estudar o dobro, trabalhar o dobro para chegar onde queria. Minha mãe sempre foi a minha maior incentivadora para que eu estudasse. Quando completei 8 anos pedi a ela para fazer um curso de inglês, enquanto minhas amiguinhas faziam dança, jazz, balé, eu pensava que com o inglês poderia chegar a muitos espaços, mas minha mãe não tinha dinheiro, e como não queria decepcionar meu sonho foi pedir uma bolsa num curso próximo a nossa casa e conseguiu e lá fui eu aprender um outro idioma e pensar numa vida melhor aos 8 anos de idade.
Aos 9 anos minha mãe decide sair do trabalho e começamos juntas um novo desafio: uma telemensagem em casa com cestas de café da manhã e flores, fazíamos tudo juntas para garantir o sustento da casa e ainda levava brigadeiro e casadinho para vender na escola. Quantas vezes fui e voltei andando da escola porque não tínhamos o dinheiro do transporte?
Aos 15 anos entendi mais nitidamente o que minha mãe dizia desde muito tempo o quão difícil era ser mulher e negra, especialmente na afetividade, eu era desejada, mas não servia para segurar na mão. Nessa mesma época estava em dúvida do que faria do meu futuro, não sabia qual vestibular prestar e fui para uma palestra ouvir um advogado negro e militante: Samuel Vida, nesse dia ouvi ele contar as dificuldades que enfrentava sendo advogado negro, o racismo e os desrespeitos que passava todos os dias com a profissão, foi ai que tomei a decisão mais importante e perigosa da minha vida: ser advogada.
Com 17 anos entrei na Universidade Católica do Salvador e não poderia ser diferente entrei no movimento estudantil, Centro acadêmico, partido político e me via desafiada todos os dias, professores machistas e misoginos, colegas racistas e burgueses, estágios perversos e vergonhosos que me obrigavam a fazer tudo que eu não acreditava, me perguntava todos os dias o que estava mesmo fazendo ali naquele espaço que apenas me tolerava, me suportava, me engolia, mas nunca me respeito na minha diversidade e nas minhas escolhas inclusive nos rumos da profissão. Quantas vezes pensei em desistir, em trocar de curso, não me achava parte daquele espaço branco,hetero, cis, cristão, misogino, lgbtfóbico e não sabia o que fazer, quando finalmente no final do curso comecei a trabalhar com blocos afro e terreiros de candomblé e me encantei com Direito social ou como chamam algumas pessoas Direito Anti Discriminatório e a faculdade passou a fazer todo o sentido.
Formei, tirei a OAB e passei a advogar com o Direito social, pelas e pelos pobres, pelas e pelos excluídas/os, por pessoas parecidas comigo que por muitas vezes não acesso a justiça justamente pelo racismo, machismo, intolerância e LGBTfobia do Poder Judiciário e dos sistemas de justiça. Hoje com a TamoJuntas tenho a possibilidade de lutar por mulheres que como eu passam todos os dias por violências, assédios e discriminações pela simples condição de ser mulher, mas que hoje tem um grupo de advogadas feministas para assisti-las sem julgamento, sem condenação e com muito acolhimento, feminismo e sororidade!Que essa coluna seja um canal de conhecimento, informação e empoderamento POR UMA JUSTIÇA FEMINISTA E ANTIRRACISTA!