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Uma admiradora e defensora das artes negras

Luiza Bairros Foto_Forum de Performance Negra

Cultura Sem Racismo: campanha criada pelo Fórum de Performance Negra

 

Luiza Helena Bairros, que faleceu nesta segunda-feira, 12 de julho de 2016, aos 63 anos, em Porto Alegra, sua cidade natal, terá seu nome escrito, repetidas vezes, na história da luta do povo negro do Brasil e da Diáspora. Porque repetidas e incansáveis foram suas formas de atuação.

Em declaração nas redes sociais, o economista Hélio Santos destacou as várias lutas empreendida por Luiza Bairros: “Não há uma só área em que ela não tenha se destacado. Ativista fundadora e organizadora da luta contra o racismo. Teórica e intelectual adiante de sua época. Gestora pública, num país sem acúmulo nesse campo, o que tornou sua atuação precursora muito mais difícil. Feminista negra exemplar”, escreveu.

Além de se tornar uma das principais vozes do feminismo negro, ruptura nem sempre aceita no movimento feminista e também no movimento negro, Luiza foi pioneira ainda em outras frentes como no combate ao racismo institucional, ao coordenar ações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e na elaboração de políticas públicas para as artes negras. Sim, além de admiradora e incentivadora de grupos e artistas, Luiza colaborou para importantes marcos para a cultura negra, como os editais afirmativos e a criação do Fórum Nacional de Performance Negra.

O ator e diretor Hilton Cobra ressalta: “No mundo das artes, deu a contribuição dela, obviamente e principalmente, para as artes negras. Luiza criou o Fórum de Performance Negra, junto comigo, com Márcio Meirelles e com Chica Careli e com contribuição de Leda Martins. Focando a melhoria e a conquista de espaço para os grupos de teatro e de dança negra, no sentido de organizar ideias para políticas públicas para o setor”, pontuou Cobrinha. Em novembro de 2015, foi realizada, em Salvador, a IV edição do Fórum com a presença ativa de Luiza, entre atores, atrizes, dançarinos, produtores culturais e pesquisadores das artes.

Ao assumir o cargo de ministra na Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2011, Luiza contribuiu para transversalizar a prioridade dos investimentos públicos no combate ao racismo, por meio de convênios estabelecidos com ministérios, órgãos públicos e estatais como a Petrobras, Caixa Econômica Federal e Correios, conforme noticiou à época o Correio Nagô. Mais uma vez, a cultura recebeu a atenção de Luiza.

“Como ministra, Luiza deu enorme contribuição para aprofundar a discussão em torno das cotas para as artes negras. Luiza foi fundamental para os editais afirmativos, dialogando com a então ministra Marta Suplicy, trabalhando junto comigo, quando eu era presidente da Fundação Cultural Palmares”, declara Cobrinha, revelando ainda a fundamental participação de Luiza Bairros, na criação da Companhia dos Comuns, grupo de teatro negro fundado no Rio de Janeiro, em 2001. “Enfim, em todos os espaços em que Luiza pisou os pés e entoou aquela voz rouca, ela deu a contribuição sempre enriquecedora, e no mundo das artes não foi diferente”.

Luiza Bairros Foto_Com Jeferson D

IV Fórum de Performance Negra, em 2015. Ao lado do cineasta Jeferson D

Em 2010, como secretária de promoção da Igualdade Racial do Governo da Bahia, Luiza foi responsável , entre outras, pela publicação de 'Carnaval no Feminino', que destacou perfis de mulheres que realizam a maior festa popular, seja como artistas, dirigentes de entidades carnavalescas, rainhas de blocos afro, quituteiras._Foto Vaner Casaes_AGECOM

Em 2010, como secretária de promoção da Igualdade Racial do Governo da Bahia, Luiza foi responsável , entre outras, pela publicação de ‘Carnaval no Feminino’, que destacou perfis de mulheres que realizam a maior festa popular, seja como artistas, dirigentes de entidades carnavalescas, rainhas de blocos afro, quituteiras._Foto Vaner Casaes_AGECOM

Luiza Bairros e Helena Oliveira, no Carnaval do Bloco Alvorada, 2013

Luiza Bairros e Helena Oliveira, no Carnaval do Bloco Alvorada, 2013

A própria Luiza experimentou a força dos palcos ao encenar, na década de 1980, junto com o Grupo de Mulheres do Movimento Negro Unificado a montagem ‘Iyas, Anônimas Guerreiras Brasileiras’, com direção de Antonio Godi e Firmino Pitanga, tendo no elenco nomes como Valdicélia Nascimento, Saraí Santos e Rejane Maia, uma das fundadoras do Bando de Teatro Olodum, uma década depois. O canto da peça ficaria imortalizado nas mentes de militantes negros e seria ainda entoado em raríssimas ocasiões por Luiza, para honra e felicidade de novos ativistas.

Luiza Mahin, chefa de negros livres

E a Preta Zeferina, exemplo de heroína

Aqualtune de Palmares, soberana quilombola

E Felipa do Pará, negra, ginga de Angola

África liberta em suas trincheiras

Quantas anônimas guerreiras brasileiras

Quitanda do Saber: evento da quituteira Alaíde do Feijão, 2012. Foto_MariaPreta

 

O ator Jorge Washington lembra da presença sempre motivadora de Luiza desde do início da atuação do Bando de Teatro Olodum, que completa 26 anos de trajetória nas artes cênicas. “Ainda em 1997, quando lançamos Cabaré da Raça, com a proposta de meia entrada para negros, que levou o Ministério Público a notificar o Bando … ou tirávamos ou seríamos preso por racismo … Luiza que foi lá e nos orientou a abrir o debate. Coordenou o debate e colocou o dedo na ferida, dizendo ‘vocês deveriam ter prosseguido com a promoção e queria ver o Ministério Público nos prender por racismo’. Ela esteve com o Bando desde os primórdios”, relata.

Na plateia dos teatros, nos saraus poéticos, nas salas de cinema ou nas quadras de bloco afro, Luiza se fez presente, valorizando a produção artística do povo negro, celebrando e refletindo sobre a luta simbólica travada neste campo. “Luiza sempre foi parceira e foliã do Alvorada. Ela era amiga da família e acabou que esta relação resultou na presença dela em nossas festas e em nossos carnavais. Ela tinha prazer  mesmo era em acompanhar o bloco do lado de fora da corda, por mais esforço que fizéssemos para tê-la dentro. Acho que numa margem dos últimos 30 anos seguindo Alvorada, podemos contabilizar uns 5 anos que conseguimos arrastá-la para dentro”, conta o carnavalesco Vadinho França, presidente do bloco Alvorada. No carnaval deste ano, que para muitos amigos tornou-se o último momento de convívio com ela, a postura da militante foliã e incentivadora se fez presente mais uma vez.  “Este ano ela estava do lado de fora. Trocamos uma abraço forte e como de costume, a convidei para ir no carro de apoio. Ela deu uma gargalhada e reforçou que havia ido para ver o desfile … comentou que o bloco estava lindo e reforçou os parabéns quanto a homenagem ao Terreiro do Bate Folha”, completa Vadinho.

Para Jorge Washington e para tantos outros artistas negros ficará a memória da presença marcante de Luiza prestigiando as artes negras, especialmente em Salvador, cidade que ela escolheu para viver e militar, desde o final da década de 1970. “Encontrei com ela no carnaval na lateral do Ilê Aiyê, já como ministra, e dizendo: ‘O Ilê comemorando 40 anos e eu 30 anos de corda de Ilê Aiyê’. Isso é para poucos”, conta o ator, relembrando o carnaval de 2014, quando Luiza mais uma vez acompanhou o desfile do bloco afro fora das cordas.  Uma imagem cheia de sentidos e possível síntese da “felicidade guerreira” do negro brasileiro.

André Santana, do Correio Nagô

Conheça a biografia de Luiza Bairros, em matéria publica pelo Correio Nagô, em 2010, sobre o convite para assumir a Seppir. Clique aqui

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