Entregue ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239/2004 põe em risco o direito de milhares quilombolas no Brasil. A ADI – que questiona o direito de propriedade das comunidades quilombolas – volta a pauta e será analisada pelo STF no próximo dia 16 de agosto.
Com isso, uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de ameaçar os já titulados. Isto porque a ação põe em risco o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos (objeto do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988).
O julgamento já se estende desde 2012. A matéria, inclusive, já esteve em pauta no STF em ocasiões anteriores. O placar do julgamento está empatado em 1×1. O relator, César Peluso, que já saiu do Tribunal, foi favorável à ação em 2012, enquanto a ministra Rosa Weber apresentou voto contrário, em 2015.
De acordo com documento que sinaliza pedido de vista da ministra Rosa Weber de 25/03/2015: “Na petição inicial o Autor imputa ao Decreto 4887/2003 os vícios da inconstitucionalidade formal e material no que reconhece o direito de propriedade das terras formadoras dos quilombos no período imperial aos que, por autoatribuição, se declararem remanescentes das comunidades quilombolas. Alega invasão da “esfera reservada à lei”, em “manifesta inconstitucionalidade” “ao pretender regulamentar diretamente, sem supedâneo em lei formal”, o art. 68 do ADCT, dispensando “a mediação de instrumento legislativo” e dispondo “ex novo”. Nega tenha ele respaldo no art. 84, VI, da Lei Maior, ao argumento de que “refoge – e muito – à matéria de que trata o mencionado dispositivo, pois disciplina direitos e deveres entre particulares e a administração pública, define os titulares da propriedade de terras onde se localizavam os quilombos, disciplina procedimentos de desapropriação e, consequentemente, importa aumento de despesa”. Aponta também inconstitucionalidade material (…)”
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), entidade que representa mais de 6 mil quilombos em todas as regiões do país, lançou na última sexta-feira (28), ao lado de outras organizações da sociedade civil, uma campanha para pedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha a titulação de territórios quilombolas no Brasil.
Trata-se da campanha “O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!”, que está mobilizando brasileiras e brasileiros assinar petição online, que será enviada aos ministros do STF, demonstrando apoio ao decreto dos quilombos e à causa quilombola.
RESISTÊNCIA
A situação dos povos quilombolas já é bastante preocupante no Brasil, uma vez que muitos territórios ainda são marcados por conflitos entre o Estado e as comunidades, no que diz respeito à direitos básicos. Este é o caso do Quilombo Rio dos Macacos, localizado na divisa entre Salvador (BA) e Simões Filho (BA). Reconhecida como área remanescente de quilombo em 2015, ainda está em fase de titulação por parte do Incra. Os moradores do quilombo vivem em conflito com a Marinha, que disputa judicialmente a posse a terra.
A situação tem sido denunciada há tempos pelos movimentos sociais. Recentemente, ganhou visibilidade internacional com o alerta da ativista social Angela Davis, em passagem por Salvador, durante atividades do Julho das Pretas. Em entrevista ao Portal Correio Nagô, a liderança quilombola Rosimeire dos Santos reforçou que a comunidade pede socorro, inclusive limitando o acesso à água.
Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.