11/12/2018 | às 17h40 | Atualização 12/12/2018 às 14h15
Blackface. Estereótipos. Invisibilidade. Sim, a participação da população negra na teledramaturgia nacional é marcada por uma série de práticas racistas. De ator branco pintado de preto para representar personagem negro (1969) à novela ambientada em Salvador com poucos negros no elenco (2018), nesses quase 70 anos de folhetim na TV, a sub-representação é uma constante há anos denunciada em pesquisas acadêmicas, movimentos sociais e, na última década, principalmente nas redes sociais.
De acordo o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), coordenado pelos professores João Feres Júnior e Luiz Augusto Campos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que elaboraram um dossiê chamado “Globo, a gente se vê por aqui?”, em que analisa a diversidade racial nas telenovelas de 1985 à 2014, a população negra é sub-representada em 8,8% dos personagens centrais.
Os dados apresentados no dossiê indicam que 91,2% do elenco é branco. Se cruzarmos com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 45,5% da população se declara branca.
Ainda segundo a pesquisa, desigualdades raciais permanecem constantes se observada a intersecção entre raça e gênero. Sendo 46,2% de homens brancos, 45,2% de mulheres brancas, 4,4% de homens negros e 3,8% de mulheres negras, em média dos elencos. Das três décadas apuradas, 15 novelas são ambientadas na Região Nordeste, sendo 11,7% do elenco formado por negros.
EMBRANQUECIMENTO HISTÓRICO
Recentemente a Rede Globo exibiu “Segundo Sol”, novela ambientada na Bahia com a maioria do seu elenco branco. “Segundo Sol confirmou a regra, os erros históricos, de uma dramaturgia brasileira televisiva que insiste em ignorar a diversidade racial brasileira e celebrar eternamente os brancos como a melhor e quase exclusiva representação do ser humano”, analisa o cineasta Joel Zito Araújo, em entrevista ao Portal Correio Nagô.
Para o cineasta, que produziu o filme “Negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira” (2000), o fenômeno do embranquecimento na televisão é antigo e trata-se de uma deformação na realidade racial do país. “É a confirmação da superioridade racial do segmento branco e da subalternidade do segmento negro. Não importa que os autores, diretores, produtores, anunciantes, não façam isto conscientemente”, afirma Joel Zito.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), fez uma notificação recomendatória por respeito a diversidade racial. Para Joel Zito, essa resposta é fruto de uma militância atenta e potente. “Esta militância traz dentro de si mais de 300 mil estudantes negros que entraram na universidade com as cotas raciais”, descreve.
NOVAS NARRATIVAS, VELHAS PRÁTICAS
Canais alternativos apontam para uma nova realidade, mas ainda com aspecto da sub-representação. Uma lista lançada pela Social Blade, com 100 canais brasileiros com maior influência no meio digital, afirmou que apenas oito pertencem a negros.
Em julho deste ano, o Boticário lançou uma peça publicitária que retratava o Dia dos Pais de uma família negra. O que surpreendeu foi a quantidade de deslikes e comentários negativos quando entrou no Youtube. “O brasileiro médio está tão viciado em ver a representação do país ser realizada costumeiramente por brancos que fica chocado quando vê uma família negra. Eles aprenderam que a mentira e a distorção têm mais força do que a verdade”, avalia Joel Zito.
Por outro lado, problematizar a baixa representatividade e os estereótipos para garantir a diversidade racial não é uma tarefa fácil. O aapresentador Vini de Paula relata que esta disputa de narrativas ainda é incompreendida pela maioria branca. Ele conta que durante as gravações do programa “É Da Gente”, em Fortaleza, um dos convidados brancos disse que o negro se vitimiza e que ele já havia sofrido racismo. “Eu o interrompi e expliquei que ele estava equivocado, que o negro não se vitimiza mas que é a vítima, que o racismo reverso não existia”, destaca.
OUTROS MODOS DE VER
Ainda em entrevista ao Portal, o cineasta Joel Zito Araújo revelou que devido à representatividade negativa da população negra tem abandonado progressivamente a televisão. “O meu nível de insatisfação com uma representação negativa da população negra e com um jornalismo extremamente partidário, com muita responsabilidade pela situação política atual, me afastou da TV. Tenho visto mais os canais Streaming e internet”, conta.
Assim como Joel Zito, existe um movimento crescente interessado por plataformas digitais, em que produções negras têm investido em personagens negros menos estereotipados e diversos. É o caso da atriz Thaís Lago, que interpreta uma médica na série 3%, originada pela Netflix. “É muito importante ocupar esses espaços que nos foram negados, mas é importante também saber a relevância na história que essa personagem vai retratar”, afirma a atriz.
“O meu corpo por si só já carrega uma representatividade, mas o que eu sinto falta mesmo é de ver mais de um negro em um mesmo produto. Um único negro e dizer que todos ali foram representados não dá conta da nossa complexidade”, reforça. Para a atriz a representatividade causa impacto positivo na vida de pessoas negras.“Recebo muitas mensagens de mulheres contando o quanto se inspiram com as minhas personagens”, destaca Thaís.
E A TV PÚBLICA, O QUE TE A VER COM ISSO?
O Correio Nagô conversou com o diretor-geral Flávio Gonçalves, do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), responsável pela Televisão Educativa da Bahia (TVE), que assinou em 2016 com a Organização das Nações Unidas (ONU) o compromisso de ser a emissora da Década Internacional Afrodescendente.
De acordo com Flávio, a TVE tem avançado em questões sobre representatividade . “Ampliamos a quantidade de jornalistas, repórteres, apresentadores e comentaristas esportivos negros”, afirma. A emissora tem investido na produção e exibição de conteúdos audiovisuais da população negra tanto documental como de ficção, de dentro e fora do Brasil, como a novela angolana “Jikulumessu”.
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No Instagram do Portal Correio Nagô (@correionago) você encontra um conteúdo exclusivo com criadores e realizadores negros que utilizam outras plataformas para elaborarem contra narrativas em que ressalta a representatividade negra.
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