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ENRIQUE PEÑALOSA. LIÇÕES DA COLÔMBIA

Na terça-feira dia 01/10 fui assistir à 2ª palestra do projeto Fronteiras do Pensamento, em Salvador, no Teatro Castro Alves.

Depois da bela palestra da liberiana Leymah Gbowee, que  resumimos aqui neste blog, foi a vez do colombiano Enrique Peñalosa, economista, urbanista e prefeito de Bogotá, de 1998 a 2001, e que fez diversas intervenções que melhoraram a mobilidade e segurança naquela cidade.

É bem verdade que em Bogotá, o sistema BRT (Bus Rapid Transit) utilizado, que se chama Transmilênio, é inspirado no modelo que se utiliza em Curitiba, mas além disso, Peñalosa trouxe algumas ideias bem interessantes sobre transito e mobilidade urbana que  resumimos  a seguir:

Mobilidade se melhora com mais ônibus e engarrafamento se reduz com menos carros  – relembrando os princípios democráticos, Peñalosa  afirma que um ônibus com 60 passageiros deve ter prioridade no trânsito (vias exclusivas) em comparação a um automóvel com 1 ou mesmo com 4 pessoas. O que acontece, segundo ele, é que em muitos países se adotam soluções para atender à parte da população que se locomove com carro próprio e não à grande massa que se utiliza de transporte coletivo.  Isso faz com que todo mundo queira ter um carro, para se livrar do transporte público deficiente, o que aumenta o tamanho da frota de veículos e acentua o problema de congestionamento.  Peñalosa não é contra as pessoas terem veículos próprios, mas argumenta que seu uso deve ser desestimulado e que as pessoas devem usar transporte púbico nos horários de pico e deixar os carros para as saídas noturnas, passeios de fim semana, etc. Naturalmente que, para isso, ele defende que o poder público invista em transporte de massa de qualidade. E neste ponto, abordando os diversos aspectos da qualidade, ele prefere o transporte de massa que se locomove na superfície aos metrôs que trafegam nos escuros subterrâneos das cidades, sem vista alguma que se possa apreciar das janelas.

O pedestre deve ter prioridade sobre o veículo –  as calçadas devem ser priorizadas e devem ser largas, já as vias de trânsito  nem tanto, diz Peñalosa. Ao contrário do que vemos hoje em dia que são os carros ocupando as vias e estacionando sobre as calçadas, ele nos lembra que as cidades são espaços de convivência e que os gestores públicos devem resgatar o direito de  as pessoas caminharem nas ruas, com acessibilidade, espaço e segurança. Hoje, em diversas cidades, esse direito de caminhar está muito restrito às áreas de circulação interna dos shoppings centers.

BRT ou VLT – perguntado sobre o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos),  Peñalosa afirma que na relação custo x benefício, o sistema de ônibus com corredor exclusivo é mais vantajoso tanto em termos de custo quanto pela maior flexibilidade, uma vez que o ônibus pode entrar e sair das vias exclusivas, especialmente em cidades como Salvador, cuja topografia e traçado das vias, não garante que se possa ter vias exclusivas em todas as partes da cidade.

Enrique_Peñalosa

No momento das perguntas um senhor levantou a questão do debate com a população  sobre o modelo desejado e sobre o impacto das mudanças. Peñalosa argumentou que em alguns momentos a população foi ouvida, mas ressalvou que não dá para coletar opiniões e sugestões da população o tempo todo porque a sociedade, de maneira geral, tende a buscar modelos dentro do padrão conhecido, não é comum que pessoas comuns, do povo, não especialistas, pensem em soluções fora dos paradigmas existentes. Isso me fez lembrar que Gilberto Gil, quando envolvido na política, disse um dia que “o povo sabe o quer, mas também quer o que não sabe” e isto, na minha visão, significa, que um líder político visionário, vai escutar a voz do povo para que possa atender suas necessidades, às vezes por meio de soluções que o povo aponta e noutras vezes, por meio de soluções de especialistas, que não foram imaginadas pelo povo, e que até podem enfrentar resistência inicial, mas que serão mais tarde reconhecidas como necessárias, benéficas e progressistas.

Em 2008, quando eu comentava com alguns amigos que ia visitar a Colômbia, escutava dois tipos de comentários: que eu era louco de ir visitar um país assolado pela violência das FARC e que não havia nada de turístico para se ver lá. No dia da palestra, eu ouvi o arquiteto e urbanista baiano Francisco Senna, que foi convidado como mediador, dizer que ouviu os mesmos comentários sobre a violência urbana na Colômbia quando estava para viajar para aquele país 2 anos atrás. O nosso pouco conhecimento acerca dos países vizinhos já foi citado por mim aqui neste mesmo blog no post que se denomina “Soy Loco por ti América”. O nosso senso comum insiste em acreditar que, exceto por Argentina e Chile, estamos cercados de republiquetas sem expressão política, social ou turística, com as quais não  temos nada ou quase nada a aprender.

Esta semana, além de reflexões, ideias e soluções para mobilidade urbana e trânsito,  acredito que Peñalosa ampliou as fronteiras do nosso pensamento e ajudou a desfazer os paradigmas e preconceitos que teimam em permear a ideia que se costuma fazer no Brasil acerca dos países vizinhos sul-americanos como a Colômbia e seus governantes. Os nossos vizinhos latinos tem muito a aprender com o Brasil, mas nós também podemos aprender com eles.

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